Morte sem assistência
Duvanier Paiva |
Eu tinha 17 anos, ou quase. Saí do Maracanã com a turma e fomos comemorar o campeonato do Flamengo. Atravessei a rua sem olhar. Fui atropelado por um ônibus. Quebrei o fêmur, o cóccix e o sacro. A bacia ficou em caquinhos. O pedaço maior se deslocou e seccionou a uretra. Foi a hemorragia interna que quase me matou.
Um bom samaritano me recolheu no seu carro, junto com o meu irmão. Os dois queriam me levar para o Hospital Souza Aguiar, mas eu fiquei com medo e pedi para ir para o Santa Terezinha, um pronto-socorro privado, que tinha atendido muito bem um amigo atropelado poucos anos antes.
Bom. A gente estava saindo do Maraca e não estávamos exatamente vestidos a rigor. Antes de me atenderem, a pergunta foi: "vocês podem pagar?" Meu irmão, de 20 anos, garantiu que sim. Eu estava meio tonto, com uma dor inenarrável, mas fiquei chocado com o mercenarismo.
A lembrança volta com a morte do secretário do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva. Ele foi recusado em dois hospitais particulares daqui de Brasília - Santa Luzia e Santa Lúcia. Morreu quando ia ser atendido no terceiro. Tudo porque não tinha um cheque no bolso para pagar a caução.
Pelo visto, a coisa piorou nesses 40 anos. Ou não. Afinal de contas, eu estava mal vestido, era um garotão e não tinha cheque nem dinheiro - mas era branco.
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