terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A BARBÁRIE SERÁ VENCIDA.


O que aconteceu e está acontecendo em Pinheirinho é uma verdadeira barbárie. Um ato indesculpável de violência governamental. A mídia hoje iniciou uma grande operação para abafar e justificar a brutalização de seis mil pessoas, mas vai ser difícil. As injustiças vazam por entre os dedos das mesmas mãos que as querem esconder. O Globo é o mais manipulador, porque acusa, na primeira página, o PT de politizar o caso. Com isso, quem politiza o caso é o Globo. Os políticos do PT fazem o que tem de fazer: política, assim como fazem os do PSDB. Acusar o PT de fazer política é como acusar um violeiro por tocar violão. Não vem ao caso o que fazem os políticos do PT, e sim a realidade insofismável de que o governo de São Paulo deflagrou, mais uma vez, uma ação truculenta contra gente desarmada, pobre, inocente.
O mais impressionante, mesmo, é a falta de sensibilidade social, a incapacidade de se solidarizar com outros seres humanos. É como uma cegueira. Por qualquer ângulo que se olhe a situação,  temos um consumado absurdo. Nem o governo mais odiosamente de extrema-direita de um país minimamente civilizado faria uma coisa assim. Acho que nem o mais truculento ditador árabe teria coragem de arrancar seis mil pessoas de suas casas, num bairro ocupado já há mais de oito anos, com igrejas, praças, quadras, bibliotecas, e jogá-las em abrigos infectos e provisórios.
Em primeiro lugar, se a lei de usucapião já teve qualquer sentido, é justamente para um caso como esse. Havia muito dinheiro investido no local, e dinheiro de pessoas simples, que construíram suas casas, pagaram reformas, instalaram estantes, consertaram vazamentos, adquiriram eletrodomésticos. Construíram um pequeno, modesto, mas valiosíssimo patrimônio familiar, de repente destruído impiedosamente para restituir um terreno a um especulador mau caráter, cujo dinheiro usado para comprá-lo certamente teve origem duvidosa. 
Havia comércio, geração de emprego, crianças estudando, jovens em etapa de formação intelectual, ex-desempregados se estabilizando após décadas de quase indigência…
Dessa vez, não vou sequer linkar as matérias de grandes jornais. Basta informar que milhares de pessoas estão neste momento em abrigos cheios de lama, dormindo em bancos de igreja, e sofreram uma brutal perda de patrimônio. Não preciso nem ir para lá para imaginar as terríveis condições de higiene, já que esses lugares não tem banheiros suficientes para suportar tanta gente. Onde vão trocar de roupa? Expor milhares de famílias a esse tipo de humilhação é uma ofensa aos direitos humanos. Só tínhamos visto uma quantidade tão grande de desabrigados vivendo em condições semelhantes após tragédias da natureza. É incrível que o Estado agora resolva ser ele mesmo uma tragédia.
Uma violência desse quilate não seria justificável sequer se o governo levasse as famílias para um outro bairro, e doasse uma excelente casa para cada uma das famílias que está desajolando, num novo bairro dotado de serviços sanitários, iluminação pública, escolas, bibliotecas. Que deslocasse os comerciantes locais para estabelecimentos vazios onde estes pudessem recomeçar suas atividades. E pagasse uma boa indenização em dinheiro para cada um, para que os custos inevitáveis da mudança não desequilibrassem os frágeis orçamentos das famílias. Nem assim seria justificável, porque obviamente seria muito mais barato para o Estado manter as famílias no local onde já estão estabelecidas. O Estado de São Paulo podia simplesmente comprar o terreno, ou entrar na justiça para desapropriá-lo.
Entretanto, se nem levando as famílias para outro bairro e dando uma nova e bela casa para uma seria uma ação justificável, o que o governo fez, retirar as pesssoas à força de suas casas, invadindo o bairro pela madrugada, e amontoá-las em abrigos montados às pressas nas redondezas, consistiu numa completa monstruosidade. Vai na contramão de qualquer mínima racionalidade do ponto-de-vista de um administrador público cuja sensibilidade social não tivesse sido totalmente devorada pelo mais abjeto cinismo e pelo mais agudo desprezo contra a população pobre.
Pela magnitude de sua injustiça, Pinheirinho representou um marco na história do PSDB. É o momento em que partido aderiu, definitivamente, a uma política fascista.
O mais lamentável é que o governo de São Paulo e o PSDB irão, certamente, encontrar quem os apóie. Criticados duramente pelos movimentos sociais, sindicatos e setores progressistas, a legenda será obrigada a buscar refúgio nas franjas mais conservadoras da sociedade.
O Estadão finalmente fez um editorial sobre o episódio, previsivelmente atacando os movimentos sociais e as famílias, numa tentativa canhestra de proteger o governo Alckmin.
Prefiro, no entanto, não condenar a imprensa, que mal ou bem, fez uma cobertura do episódio. Se houve mortes, estes serão identificados e a mídia irá forçosamente divulgar.
Temos aqui uma questão eminentemente política, diria até mesmo partidária. A responsabilidade recai, com toda a força, sobre os ombros do governador Geraldo Alckmin, que autorizou a ação da PM mesmo sabendo que havia alternativas na mesa. Recai também sobre toda a cúpula tucana.
Foi um gesto estúpido do PSDB, que será obrigado agora, nas eleições municipais, a apelar para uma retórica de extrema-direita para justificar as ações em Pinheirinho.
Bem, talvez não seja uma ação intempestiva. Alckmin sempre representou a direita do PSDB, mas os seus flertes com ações sociais do governo federal nos fizeram pensar que ele poderia enveredar por aquele conservadorismo “social”, seguindo a linha civilizada de seus congêneres na Europa. No Velho Continente, somente Hitler faria uma coisa dessas (um despejo em massa de seis mil pessoas), e apenas se seus habitantes fossem judeus.
Mas não. A ação em Pinheirinho, que chegou a ferir um funcionário graduado da presidência da república, marca uma virada histórica do PSDB, a partir de agora conhecido como um partido radical de extrema-direita. Politicamente, é um gesto arriscado, talvez suicida, mas explicável pelas circunstâncias. Com Dilma seduzindo a classe média, só restou ao PSDB esse radicalismo enlouquecido. Os teaparties paulistas estão agora botando fogo na internet, mais felizes do que nunca com o sofrimento das famílias de Pinheirinho.
Quero acreditar, todavia, que a barbárie será derrotada. Mesmo do ponto-de-vista do capitalismo mais frio, não faz nenhum sentido a brutalidade contra famílias indefesas. Atos como o de Alckmin geram prejuízo não apenas social e humano, mas também econômico, além de estimular a violência urbana. Não é preciso aprender antropologia em Harvard para saber que um governo violento e injusto amplia o banditismo.
Este Cafezinho se pretende apartidário, mas não se pode ser isento em face da barbárie. Como diria Rui Barbosa, quando o acusavam de ser parcial no debate acerca da escravidão, da qual ele sempre foi um intransigente inimigo: não existe imparcialidade perante a injustiça.
Gostaria, portanto, de encerrar esse post com algumas palavras de luta e esperança, para as famílias de Pinheirinho, para todas as pessoas que vivem situações similares no país e para todos os militantes políticos que doam sua vida em prol de dias melhores e mais justos para o nosso povo. Tomo-as de um poeta chamado Bob Dylan. Eu as interpreto da seguinte forma: Dylan fala que “todo homem precisa perder”, ou seja, são as derrotas  que nos ensinam a necessidade de batalhar para mudar o mundo.  Os europeus só conseguiram consolidar-se como uma sociedade humanista após séculos de intensa luta social e política. “Mudar o mundo” sempre soa pretensioso, mas quando se consegue viver sob governos minimamente comprometidos com o bem estar social e, sobretudo, embuídos de um humanismo que não os permitiria jamais brutalizar seus próprios cidadãos com atos estúpidos como vimos na desocupação de Pinheirinho, já se pode afirmar que o mundo mudou. “Todo homem precisa de proteção”, continua o poema, lembrando que o fim de uma sociedade organizada, desde sua origem, sempre foi proteger seus membros mais fracos, e que não é agora, que vivemos numa sociedade próspera, que vamos esquecer isso. “Eu me lembro de todo rosto, de todo homem que me pôs aqui”, fala o poeta, indicando que as comunidades devem ser conscientes politicamente, jamais esquecer aqueles que a trataram com injustiça e se manter leais aos que as ajudaram. Assim se faz política, assim se derrubam tiranos. Mais dia, menos dia, o governador Geraldo Alckmin terá necessidade de votos e apoio popular, e os que sofreram em Pinheirinho e todos que acompanharam o processo poderão dar o devido troco. Por fim, o refrão consiste num mantra de esperança, que é fundamental para levar adiante qualquer luta.
Escolhi essa gravação de Dylan com Norah Jones, porque a voz de Jones enriquece a música com sua doçura juvenil e graça feminina, estabelecendo um delicioso e emocionante contraste à voz embargada do cantor.
A barbárie será vencida e, em qualquer dia desses, teremos liberdade. 

Eu terei liberdade
(Tradução e Original)
Dizem que tudo pode ser substituído
dizem que a distância ainda é grande
Assim eu me lembro de todo rosto
De todo homem que me pôs aqui
Eu vejo minha luz vir tão forte
Do oeste até o leste
Mais dia menos dia mais dia menos dia
Eu terei minha liberdade
Dizem que todo homem precisa de apoio
dizem que todo homem precisa perder
assim, eu juro, eu vejo meu reflexo
Em algum lugar bem acima dessas paredes
Eu vejo minha luz vir brilhando
Do oeste até o leste
Mais dia menos dia mais dia menos dia
Eu serei libertado
Perto de mim nesta solitária multidão
Está um homem que jura que não é o culpado
O dia todo eu o ouço gritar tão alto
Clamando que foi vítima de uma armação
Eu vejo minha luz brilhar tão forte
Do oeste até o leste
Mais dia menos dia mais dia menos dia
Eu terei a minha liberdade.

(Obs: dei uns retoques na tradução)

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