domingo, 4 de dezembro de 2011

SÓCRATES







Memórias do cárcere

Sócrates 

Quanto mais a sociedade se moderniza e tabus são quebrados, o futebol, parece, caminha para trás. Eu tinha apenas 14 anos quando os estudantes franceses tomaram as ruas de Paris para lutar por suas convicções. Aquelas manifestações tornaram-se um marco na história contemporânea da humanidade. Romperam-se dogmas e a filosofia que pregava a paz e o amor invadia cada canto de nossas mentes para nos mostrar a nova ordem. 


Fomos contaminados por aquela pregação simples e definitiva. Passamos a viver em harmonia com nossas características e a respeitar nosso ser. Todos os povos do mundo, de alguma forma, foram estimulados a rever os seus conceitos. 


Nós, cá abaixo do Equador, talvez tenhamos sido os mais entusiastas da nova ideia. Por nossa forma de encarar o mundo, por nossa cultura e pela miscigenação, que nos deram uma capacidade de amar e libido incomparáveis, abraçamos plenamente a liberdade sem limites. 


Em plena adolescência, eu não podia ter sido mais contaminado. Apesar da timidez que insistia em atrapalhar os sonhos mais íntimos, pude sentir intensamente a maravilha da libertação sexual dessa geração. Nossos pais, que haviam sido criados em uma situação diametralmente oposta, nada puderam fazer contra aquela onda. Namorei à vontade, comecei a chegar em casa cada vez mais tarde, frequentava as festas que queria e, mesmo com os inevitáveis confrontos de geração, pudemos resistir. 


Seis anos depois – na época, parecia uma eternidade –, cheguei ao meio do futebol. A primeira e definitiva instituição com que tomei contato foi com a famigerada “concentração”. Era inacreditável que naqueles tempos tão “modernos” ainda se utilizasse tamanha aberração. 


No início, o isolamento compulsório às vezes ultrapassava 48 horas a cada jogo. Como fazíamos duas partidas por semana, tínhamos menos tempo livre do que os condenados em regime aberto. O pior é que ficávamos em uma casa apertada, cheia de beliches, literalmente uns em cima dos outros. 


De cara, passei a questionar aquela prática. Não podia entender como as razões de sua existência podiam ser tão frágeis. “Para que vocês não façam besteiras”, diziam. Até parece! E o pior é que entre as besteiras incluía-se o sexo. Ora, façam-me o favor. Desde quando o ato sexual atrapalha o quer que seja? Só se for na cabeça dos gênios que comandam o futebol. 


Com o tempo, consegui encurtar o absurdo: 24 horas no máximo. Ainda era muito. Como estava na faculdade, passei a me escalar nos plantões de sábado. Assim, não perdia o meu tempo naquela escola que só ensina a não fazer absolutamente nada. 


A pior coisa do mundo é a ociosidade. E isso é o que não falta num ambiente desses. Também descobri que o que provoca o desatino de beber em demasia (ou o uso de outras drogas) e da busca incessante por mulheres é exatamente essa prisão. 


Imediatamente após a libertação se quer fazer tudo o que não pôde ser feito. E isso, em poucas horas. É o resgate do tempo inutilizado. É a compensação. É uma forma de reagir. É a insubordinação sem controle, é verdade. Mas não tenho dúvidas de que é da concentração que nascem os desvios de conduta de nossos jogadores. De orgias a baladas, passando pelo assédio sexual. Ora, deixem os meninos crescer! 


Chegando ao Corinthians, com a implantação da Democracia Corintiana, um dos assuntos mais interessantes para mim era a dita-cuja. A turma não queria, porém, mudar. Também, a concentração serve para protegê-los da opinião pública! Demoramos seis meses para torná-la opcional. 


A partir daí, a vida passou a ser uma maravilha. Ficávamos em casa, brincávamos e educávamos nossos filhos, jantávamos com nossas famílias, comíamos o que estávamos habituados com o tempero que gostávamos, dormíamos com nossas mulheres, fazíamos sexo – por que não? – à noite e quase sempre pela manhã, tomávamos nosso café, acompanhados de nosso jornal predileto, líamos um livro antes de ir para o hotel, chegávamos com a família, nos confraternizávamos e íamos todos no ônibus para o estádio. 


Corríamos como crianças. Tínhamos prazer em jogar, nos divertíamos e divertíamos nosso fiel público. Era um tesão. Tesão de viver e atuar com liberdade, porém com maior responsabilidade em relação ao nosso trabalho. Os resultados todos conhecem, mas o mais importante de tudo gerado por lá foi a maturidade adquirida por todos os companheiros. Muito diferente dos dias de hoje ou da própria história dos jogadores brasileiros 

Carta Capital

*Publicado originalmente em 17 de junho de 2010.



Decisão sem o Doutor

Por Luiz Seixas
Comentário com que encerrei meu post, O anticorintianismo, no Luis Nassif Online:


Consegui meus 15 minutos de fama, xingado pela maioria dos que comentaram esse desabafo que escrevi em 2009, depois de receber o enésimo e-mail de anticorintianos avacalhando meu time, paíxão há 64 anos, paixão de meu pai, que morreu em 2001, aos 87, paixão de meus filhos. Nada mais justo para encerrar o assunto que o comentário anterior ao meu, sobre a decisão de 1954. Maravilha. Um ânimo a mais nesse dia de decisão do Nacional. Mas o coração está pesado demais por causa da morte do Sócrates. Nunca apertei sua mão, mas era meu amigo. Nunca o vi pessoalmente, mas era meu irmão. Amei-o do fundo da alma. Vou amá-lo sempre. Hoje não ficarei contente se o Corinthians for campeão. Não vibrarei nem se ganharmos do Palmeiras. Se perdermos o título e o jogo, não dá para ficar mais triste do que estou. Hoje eu estou de luto.
Um grande abraço a todos os corintianos e a todos os que amam o futebol. Hoje perdemos um grande jogador e um exemplar magnífico da espécie humana.

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