Ilustração: Felipe Lima
Alegorias do silicone.
Um dilema hermenêutico
Num de seus mais belos textos, “Contra a interpretação”, a ensaísta americana Susan Sontag questiona a mania de procurar significados para tudo. O sentido, diz ela, pode dar vida ao que está morto, mas também pode domesticar e esvaziar, tirando da arte seu maior barato – a capacidade de nos deixar nervosos
Bato palmas para os profissionais de televisão que vararam noites comentando o carnaval. Mereciam adicionais. É mais difícil que fazer parto de sêxtuplos. Mais estressante do que controlar voo em Cumbica. Exige tamanha destreza vocal quanto narrar futebol na Eslovênia. Sem falar nas referências, tantas que fazem da Conferência de Davos uma conversa tola de comadres. Depois do carnaval, cobrir a festa do Oscar é papinha de Bolacha Maria.
Repare nas sinapses impostas aos comentaristas, na busca desesperada por conteúdo. É preciso estar movido a hiperatividades e bipolaridades para falar ao mesmo tempo agora da sucata usada no abre-alas, do papel da Dona Quitéria na comunidade, da origem do bloco Cacique de Ramos, do traço do cartunista Lan convertido numa mulata inflável e ainda tentar entender o que o Romero Brito pensa que disse, mas não disse.
Confesso que senti falta de uma explicação – a do significado dos seios de silicone, adereço que interfere no quesito fantasia, alegoria, harmonia e quiçá, enredo. Sem dizer que aumentaram tanto quanto a dívida grega. Carecemos de estatísticas a respeito. E metem tanto medo quanto o Mapa do Crime e o palitinho do bife à rolê. Repare. Peitos turbinados nunca dormem – logo, estão sujeitos à fúria dos insones. Como desafiam as leis da física, tendem a alterar a ordem do cosmos atraindo um meteorito desgovernado. Esqueçam as armas nucleares iranianas.Dentre tantas tarefas – incluindo rezar para a Beth Carvalho não dar peti –, o profissional ainda tem de traduzir o sentido do festa, colocando hermenêutica no reino do alalaô. Vai-se dos mais simples, como “o sentido das baianas [!]”, aos mais complexos, como as ligações da rainha Elizabeth com a Ilha do Governador ou a conexão entre o iogurte e o samba – mistério que a KGB não desvendaria jamais.
Tem também o lado desumano. Seios eternamente empinados roubam a poesia do teste do lápis, método caseiro que por tanto tempo marcou o encontro das mulheres com as regras da vida. A astúcia mamária, idem, desperta a curiosidade dos infantes e a volúpia dos lobos maus, que em coro perguntam: “Por que um peito tããããõ grande?” Essa história ainda há de macular os contos de fadas, roubando o que sobra da nossa inocência, dádiva sem a qual Spielberg não faria filmes, J.K. Rowling não escreveria livros e Marcelo Rossi não rezaria missas.
Não desdenhem do fenômeno power teats . É questão mais cabulosa do que a tal da molécula divina, à qual devemos esconjurar antes que seja engarrafada e vendida em aerosol. Como diria um pesquisador de linguagem, a “era dos grandes seios” é uma questão polissêmica, uma colcha de questões que se articulam testando nossa vã semiologia. A dizer.
Numa perspectiva marxista, as divinas tetas ziriguidantes podem representar o determinismo econômico da indústria do plástico, manipulando o estético, o erótico e o ético. Do ponto de vista liberal, dada a propaganda de graça e em suportes de primeira qualidade, o setor de silicones deveria patrocinar os desfiles no lugar dos bicheiros.
Como essas duas explicações são algo tecnicistas, melhor recorrer à antropologia e à psicanálise. Peitos industrializados em escala chinesa são uma apropriação pós-moderna dos cultos primitivos de fertilidade, aos quais instintivamente recorremos por medo de uma crise mundial de alimentos. Com base em Freud, porém, diríamos que a fixação está ligada aos recalques por termos sido tirados do peito materno muito antes dos 10 anos de idade, lançando-nos à histeria dos trios de Salvador. Explica tudo.
Os carnavalescos deveriam explorar o tema em 2013. Sugiro uma comissão de frente, com perdão ao trocadilho, com modelos simbolizando a Anita Ekberg e a Jane Russell. Fafá como destaque, significando os seios da pátria. Uma ala de Amazonas Guerreiras, a “todos por um”, para mostrar que quantidade não é qualidade. Menções à banda The Mamas & The Papas, mesmo tendo nada a ver. E uma homenagem às americanas. A culpa é sempre dos EUA, afinal.
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