O que este país mais precisa, neste momento histórico, é de doses cavalares de… Memória. Só revendo o passado é que poderemos avaliar o presente e projetar o futuro. Para tanto, porém, teremos que retroceder no tempo. Voltaremos, neste texto, há cerca de meio século.
Em um momento em que só se fala em “mensalões” – petistas, tucanos etc. –, um documento histórico nos propiciará enxergar o que até hoje permanece nas sombras: o maior mensalão de todos os tempos, bem como coincidências impressionantes entre o ontem e o hoje, as quais continuam a nos roubar a tranqüilidade quanto à democracia que, a duras penas, ainda pelejamos para construir no Brasil.
O documentário “O Dia que Durou 21 anos” (2011) é uma produção da TV Brasil com a Pequi Filmes, com direção de Camilo Tavares, filho de uma das vítimas da ditadura. O material apresenta os bastidores da participação do governo dos Estados Unidos no golpe militar de 1964.
Sim, muitos já assistiram, mas a esmagadora maioria dos brasileiros infelizmente não viu, o que explica a ignorância e a perenidade de tantas mentiras sobre aquele período histórico, que, meio século depois, a grande mídia brasileira mantém vivas.
Esse material imprescindível, que deveria figurar em todos os currículos escolares dos quatro cantos do país, mostra como e por que os Estados Unidos decidiram interferir na política interna do Brasil.
Documentos inéditos e oficiais, amparados em depoimentos de acadêmicos norte-americanos e brasileiros, revelam como, sob o pretexto do avanço comunista em Cuba, os Estados Unidos vieram ao Brasil e compraram, literalmente, políticos, governos estaduais e, acima de tudo, meios de comunicação, que enriqueceram graças à intervenção americana.
Uma frase dos golpistas manipulados pelo governo norte-americano abre o documentário: “Aqueles que não amam a revolução, ao menos devem temê-la”.
Era a senha para o terror que sobreviria por mais de duas décadas, durante as quais verdadeiros facínoras, travestidos de militares, roubaram a nação ao custo de seqüestros, torturas e assassinatos.
Uma rica coleção de documentos oficiais e confidenciais norte-americanos, que vazaram há poucos anos, comprovam cada letra do parágrafo anterior, narrando, minuto a minuto, a estratégia ianque desde pouco antes do golpe militar de 1964 até o dia 2 de abril daquele ano.
O documentário não trata do desenrolar da ditadura, mas de como os Estados Unidos, através do seu então embaixador no país, Lincoln Gordon, ao custo de incontáveis milhões de dólares compraram consciências e colocaram como seus empregados todos os atores do golpismo que seqüestrou e manteve cativo um país inteiro durante mais de duas décadas.
O Brasil, então uma potência emergente, a maior da América Latina, entregava aos ianques o sangue e o suor de seu povo. Homens como Jango Goulart e Leonel Brizola, porém, ameaçavam os “interesses” da potência estrangeira. E o que era “pior”: eram apoiados pelo povo.
Para eliminar a ameaça “comunista” aos seus “interesses”, sob a crença insana de que a América Latina lhes pertencia os EUA fizeram de seu embaixador no país um agente secreto, alguém que se tornou um dos mais relevantes personagens da história brasileira.
Gordon chegou ao Brasil ainda no governo Jânio Quadros, que renunciaria e deixaria o vice-presidente, Jango Goulart, em seu lugar. O objetivo da nomeação desse “diplomata” fluente em português era, escancaradamente, o de transformar a embaixada norte-americana em um mero departamento da CIA.
Gordon abraçou a causa com ardor. E foi através de seu empenho, das idiossincrasias de um único homem, que a maior potência militar e econômica daquela época transformou em um inferno as vidas de dezenas de milhões de brasileiros.
Para seduzir a elite branca, dona de imensidões de terra, de indústrias e, sobretudo, de jornais, rádios e televisões, as idéias de Jango e Brizola sobre reforma agrária cairiam como uma luva.
Os ianques pouco se importavam com os interesses econômicos dessa elite, mas tais interesses lhes seriam úteis para evitar que uma nação do porte do Brasil se tornasse “Não uma Cuba”, como diziam, mas “Uma China”, dada a já imensa população nacional.
O que mais impressiona em “O Dia que Durou 21 Anos” é o depoimento de Robert Bentley, então assistente de Gordon. Grande parte das afirmações que você acaba de ler foram confirmadas e até relatadas por esse homem.
Se você leu, nos últimos anos – talvez em jornais como Estadão ou Folha ou em revistas como a Veja –, que o governo Lula teria inaugurado uma “república sindicalista” no Brasil, saiba que a expressão nasceu nos momentos que antecederam o golpe de 1964.
Eis a primeira das muitas coincidências que sobrevirão.
Em documentos oficiais do governo norte-americano de então, é dito, explicitamente, que o que deveria desencadear o golpe não seria o interesse dos brasileiros, mas o dos Estados Unidos – ou seja: o golpe foi dado por brasileiros com a finalidade de satisfazer outro país.
O presidente norte-americano era John Fitzgerald Kennedy. Esse que alguns até hoje consideram herói cometeu crimes inomináveis contra nosso país de forma a roubá-lo, nem que, para isso, milhões de brasileiros tivessem que pagar o preço. Para tanto, fez com que a agência de inteligência ianque, a CIA, começasse a expandir suas ações no país, começando por São Paulo.
Empresas americanas concessionárias de serviços como energia ou telefonia tinham suas concessões vencendo em um quadro em que não tinham cumprido as exigências do Brasil para que se instalassem aqui. Dependia do governo brasileiro, portanto, renová-las ou não. Era nosso direito. Mas os norte-americanos só aceitariam uma decisão…
Com efeito, o combate midiático ao tamanho do Estado que se vê ainda hoje começou muito antes. Quando você lê num desses veículos supracitados o inconformismo de editorialistas com essa questão, na verdade está dando uma mirada no passado.
As televisões norte-americanas, então, apresentavam longos programas sobre o risco de o Brasil se insurgir contra seus interesses. E avisavam: “Para onde o Brasil for a América Latina irá junto”.
Abertamente, portanto, Kennedy falava à sua nação que seu governo “não aceitaria” uma decisão eleitoral do povo brasileiro que contrariasse seus interesses. E ameaçava: “Temos recursos, habilidade e força para proteger nossos interesses”.
Os Estados Unidos, porém, não precisariam de tanto. Bastaria usarem a carteira.
Primeiro, os norte-americanos tentaram comprar o povo brasileiro – e os de outros países da América Latina – despejando na região quantidades imensuráveis de dinheiro através de um programa que intitularam “Aliança para o Progresso”.
Segundo Bentley declarou em “O Dia que Durou 21 Anos”, eram gastos em Educação, agricultura, infra-estrutura: “Fale em um setor e ali estava o dinheiro da Aliança”, disse ele.
Não foi suficiente. O dinheiro norte-americano não comprava nem o governo João Goulart nem o povo, que continuava apoiando aquele governo. Assim, sob recomendação de Gordon, os Estados Unidos decidiram que era preciso “organizar as forças militares e políticas contra o governo”.
Kennedy, então, passou a literalmente comprar os opositores de Goulart no Congresso brasileiro, em governos estaduais e, sobretudo, na imprensa. Veículos como o jornal o Estado de São Paulo e O Globo passaram a ser receptáculos de quantidades pornográficas de dólares desembolsados pelos Estados Unidos.
Os beneficiários da dinheirama ianque, em contrapartida, tinham que organizar uma campanha de “enfraquecimento” e de “desestabilização” do governo federal. Para esse fim, a arma mais importante foi a… Imprensa.
Para que os recursos chegassem aos destinatários, uma trama criminosa foi engendrada. O mensalão ianque, que corromperia a imprensa, parlamentares e governadores de Estado como Carlos Lacerda, chamava-se Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES). Escritórios dessa agência do golpe foram abertos em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre.
A imprensa, subsidiada pelo IPES, passou a fazer campanha anticomunista relatando os “horrores” da União Soviética, de Cuba etc. O empenho anticomunista domou Estadão, Globo e Folha, primeiro, através do bolso.
Esses veículos passaram a verter, dia após dia, acusações e críticas de “descalabro administrativo” e de “corrupção” contra o governo brasileiro. Não passava um único dia sem que torrentes de matérias nesses veículos, entre outros, fossem despejadas sobre o povo.
Informações falsas ou manipuladas eram plantadas na mídia, que, como hoje, pouco admitia uma mísera opinião divergente ou dava destaque a desmentidos. E, se dava, era sempre em proporção absurdamente desigual. Sem falar que muitos assuntos eram simplesmente vetados.
A grande mídia de então inundava tudo que podia com propaganda contra o governo. Cinemas, jornais, rádios, novelas. Tudo. Não havia como escapar de coberturas como as que o Jornal Nacional fez diariamente contra o governo Lula e continua fazendo contra o governo Dilma.
Tudo muito bem pago por dinheiro subtraído ilegalmente do erário norte-americano e repassado, mensalmente, aos escritórios do IPES, que, por sua vez, repassavam, além de a meios de comunicação, também a parlamentares, que passavam a votar no Congresso como queria o presidente… Dos Estados Unidos.
Qualquer semelhança com o que se passa hoje não é mera coincidência. Se você acredita em mim, pode parar por aqui. Do contrário, assista, abaixo, à primeira parte do documentário “O Dia que Durou 21 Anos”. Já vai bastar, pois o resto da história você conhece.
O DIA QUE DUROU 21 ANOS
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