OMISSÃO, CEGUEIRA IDEOLÓGICA E DESUMANIDADE DESTROEM A SÍRIA
contados (veraqui), o comentarista internacional Clóvis Rossi fulminou as
potências insensatas que impediram uma solução menos sanguinária da crise
síria, ao vetarem sistematicamente a aplicação de sanções rigorosas contra o
açougueiro de Damasco.
A percepção do veterano colega é idêntica à minha: a omissão dos (que deveriam
A percepção do veterano colega é idêntica à minha: a omissão dos (que deveriam
agir como) civilizados não alterará em nada o desfecho inevitável, a derrubada de
Bashar al-Assad, que agora é mera questão de tempo. Apenas maximizou o
prejuízo, com a desintegração do país e uma verdadeira tragédia humanitária.
Desde o início tenho alertado que a velha racionália geopolítica dos tempos da
Desde o início tenho alertado que a velha racionália geopolítica dos tempos da
guerra fria estava sendo exumada pelos Pepes Escobares da vida para
justificar o injustificável: terríveis massacres perpetrados pelo terrível herdeiro
de uma terrível tirania familiar. A qual, ademais, tem utilizado o terrorismo de
estado para tentar perpetuar a dominação da maioria (sunita) por uma minoria
Trata-se apenas de outro
dos recorrentes
conflitos religiosos e
tribais do Oriente Médio,
com os abutres
capitalistas (qualificação
que hoje se aplica
também à Rússia e a
China) jogando dos dois
lados, como sempre fazem.
A avaliação do Clóvis
A avaliação do Clóvis
Rossi coincide, ainda, com a
minha num ponto que
sustento desde sempre:
mais do que com os
movimentos no tabuleiro político e econômico mundial, deveríamos nos preocupar
é com as vidas dizimadas ou arruinadas ao longo desses conflitos.
Se já me deixa perplexo que tal obviedade esteja ausente de muitas análises
Se já me deixa perplexo que tal obviedade esteja ausente de muitas análises
ditas de esquerda, pior ainda é quando tal insensibilidade desumana se aplica a
uma crise como a síria, na qual nenhuma das forças envolvidas tem absolutamente
nada de revolucionária. Estão em jogo apenas interesses e credos; é tão somente
por causa da ganância e do fanatismo religioso que os civis sírios amargam
horrores infernais.
Quem acredita ser de esquerda havendo feito apenas uma opção intelectual, mas
sem ter nenhum sentimento real de solidariedade para com os indefesos e
compaixão pelo sofrimento humano, verdadeiramente não é de esquerda --
pelo menos daquela que remonta a Marx e a Proudhon. Quanto muito, são os
herdeiros de Stálin.
Segue-se o exemplar texto de Clóvis Rossi, A Síria e o fracasso do mundo, que
reproduzo na íntegra e recomendo sem restrições.
A destruição da Síria é um caso emblemático de fracasso do mundo ou, ao menos, da governança global.
O Conselho de Segurança, coração do sistema ONU, ficou paralisado por uma disputa entre potências, com interesses que pouco ou nada têm a ver com o interesse primordial dos sírios, que era e continua sendo sobreviver.
Não sobreviveram 19.687 pessoas, das quais 1.522 crianças, entre o início da revolta contra a ditadura Bashar Assad, em março de 2011, e o último dia 15. Há entre 112 mil e
250 mil refugiados nos países vizinhos, quantidade que aumenta
exponencialmente a cada dia.
Há 200 mil pessoas, pelo menos, deslocadas de suas casas. Há 3 milhões de
sírios que precisam de ajuda humanitária para sobreviver. Tudo isso em um
país de apenas 21 milhões de habitantes.
Pior: não há o mais leve indício de que se esteja perto de algum alívio para a
tragédia, até porque "os acontecimentos em Damasco e Nova York tornam claro
que o desenlace da guerra civil síria será decidido no campo de batalha, em vez
de no Conselho de Segurança", como escreve Richard Gowan,
diretor-associado do Centro para a Cooperação Internacional da Universidade de
Nova York.
O veto permanente da Rússia às propostas ocidentais de apertar mais ainda as
sanções contra a ditadura Assad tiraram do Conselho de Segurança qualquer
chance de influenciar na crise.
de veto aos cinco países
vencedores de uma guerra que
terminou já faz quase 70 anos.
Aliás, chega a ser irônico que o
suporte inoxidável da Rússia ao
ditador acabe sendo inútil, como
afirma Gowan: "A Rússia pode
continuar a vetar as resoluções
do Conselho de Segurança pelo
tempo que quiser, mas,
enquanto consegue levar ao
impasse a batalha diplomática em
Nova York, ela está perdendo a
verdadeira guerra, na Síria".
Quem está ganhando, com a ascensão
dos rebeldes, são Arábia Saudita e
Qatar, que armam o chamado
Exército Sírio Livre, e a Turquia,
que lhes oferece um santuário.
A Arábia Saudita é uma ditadura não
muito diferente da que está ajudando a depor na Síria, embora de signo
religioso diferente.
Ante a impotência da comunidade internacional, a única que seria capaz de
exercer um poder moderador, o pós-Assad será tremendamente
complexo, mais complexo quanto mais demorar.
Complexidade assim resumida pela revista "The Economist": "A Síria após Assad
será um perigo para seu próprio povo e seus vizinhos. Um banho de sangue
sectário é um risco, armas químicas sem controle são outro, ondas de
refugiados um terceiro. A Síria poderia se tornar o foco de rivalidade entre Irã, T
urquia e o mundo árabe. A violência poderia sugar Israel ou espalhar-se pelo Líbano".
Enfim, há uma boa possibilidade de que ocorra tudo ou quase tudo que os
opositores a uma intervenção externa na Síria esgrimiam como argumento para
descartá-la.
O impasse entre as potências e a omissão de muitos (Brasil inclusive)
acabaram produzindo um cenário assustador e não evitaram mais uma
catástrofe humanitária
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