segunda-feira, 27 de setembro de 2010

The Independent

O Brasil possivelmente elegerá uma líder extraordinária na próxima semana


Por Hugh O’Shaughnessy

Original em inglês:
http://www.independent.co.uk/news/world/americas/the-former-guerrilla-set-to-be-the-worlds-most-powerful-woman-2089916.html

Dilma Rousseff em 1970, retrato de registro policial quando ela liderou um grupo revolucionário



A mulher mais poderosa do mundo surgirá no próximo final de semana. Encorpada e cheia de força aos 63 anos, a ex-líder da resistência de uma ditadura militar (que a torturou) apoiada pelo Ocidente está se preparando para assumir seu lugar como presidenta do Brasil.

Como chefe de Estado, a presidenta Dilma Rousseff seria superior a Angela Merkel, chanceler da Alemanha, e Hillary Clinton, secretária de Estado dos EUA: seu enorme país, com 200 milhões de pessoas está em festa com a nova riqueza: o petróleo. A taxa de crescimento do Brasil, rivalizando com a da China, é tal que a Europa e Washington podem somentar invejar.

Sua ampla vitória prevista no pleito presidencial do próximo domingo será comemorado com prazer por milhões. Marca a destruição final do “Estado de segurança nacional”, um arranjo que governos conservadores, nos EUA e Europa, tinham como seu melhor artifício para limitar a democracia e as reformas. Esse artifício alimentou um estado em decomposição que manteve uma vasta maioria na pobreza na América Latina, enquanto favorecia seus amigos ricos.

Rousseff, filha de um imigrante búlgaro e de uma professora, beneficiou-se em ser, na realidade, a primeira-ministra do imensamente popular, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ex-líder sindical. Mas com um histórico de determinação e sucesso (que inclui aparentemente ter vencido um câncer linfático), essa esposa, mãe, e avó será mulher de si mesma. As pesquisas dizem que ela construiu uma vantagem indiscutível – de mais de 50% comparado com os 30% – sobre seu oponente mais próximo, um homem depressivo do centro chamado José Serra. Poucos têm dúvidas que ela se instalará no Palácio Presidencial da Alvorada, em Brasília, em janeiro de 2011.

Como o presidente José Mujica do Uruguai, vizinho do Brasil, Rousseff não se vergonha de seu passado de guerrilheira urbana que incluiu lutar contra os generais e passar um tempo na prisão como prisioneira política. Enquanto garotinha crescendo na cidade provincial de Belo Horizonte, ela diz ter sonhado sucessivamente em se tornar uma bailarina, bombeira, e trapezista. As freiras na sua escola levaram a sua turma para a área pobre da cidade para mostrar aos alunos as lacunas entre a minoria de classe média e a vasta maioria de pobres. Ela se lembra que quando um jovem pedinte com olhos tristes foi à porta da casa de sua família ela rasgou uma cédula ao meio e dividiu com ele, não sabendo que metade de uma nota não tinha valor.

Seu pai, Pedro, morreu quando ela tinha 14 anos, mas a essa altura ele já tinha lhe apresentado os romances de Zola e Dostoievski. Após isso, ela e seus irmãos tiveram de trabalhar duro com sua mãe para fazer face às despesas. Aos 16, ela estava na POLOP (Política dos Trabalhadores), um grupo desligado do tradicional Partido Comunista Brasileiro que procurava trazer o socialismo para aqueles que pouco sabiam sobre isso.

Os generais tomaram o poder em 1964 e decretaram o reino do terror para defender o que chamavam de “segurança nacional”. Ela ingressou os grupos radicais secretos que não viam nada de errado em empunhar armas contra o regime militar sem legitimidade. Além de mimar os ricos e acabar com os sindicatos e as pessoas de classe mais baixa, os generais censuravam a imprensa, proibindo os editores que deixassem lacunas nos jornais e mostrar onde as notícias tinham sido apagadas.

Roussef acabou entrando na clandestina VAR-Palmares (Vanguarda Revolucionária Armada dos Palmares). Nos anos 1960 e 1970, os membros de tais organizações sequestravam diplomatas estrangeiros por resgate: um embaixador dos EUA foi trocado por uma dúzia de prisioneiros políticos; um embaixador alemão foi trocado por 40 militantes; um emissário suíço foi trocando por 70. Eles também atiraram em peritos em tortura estrangeiros, enviados para treinar os esquadrões da morte dos generais. Embora ela diga que nunca tenha usado armas, ela foi eventualmente presa e torturada pela polícia secreta no equivalente do Brasil ao Abu Ghraib, a prisão Tirandentes em São Paulo. Ela foi sentenciada a 25 meses por “subversão” e libertada após três anos. Hoje ela abertamente confessa ter “desejado mudar o mundo”.

Em 1973, ela se mudou para o próspero estado sulista do Rio Grande do Sul, onde seu segundo marido, Carlos Araújo, advogado, estava complementando um período de 4 anos como prisioneiro político (seu primeiro casamento com um jovem da esquerda, Claudio Galeno, não sobreviveu à tensão de duas pessoas vivendo em cidades diferentes). Ela voltou para a universidade, começou a trabalhar para o governo do estado em 1975 e teve uma filha, Paula.

Em 1986, ela foi nomeada diretora financeira de Porto Alegre, capital do estado, onde seus talentos políticos começaram a florescer. Os anos 1990 foram agridoce para ela. Em 1993 ela foi nomeada secretaria de energia do estado, e proporcionou o vasto aumento da produção de energia, garantido que o estado fosse poupado dos apagões de energia que assolavam o resto do país.

Ela construiu 1.000 km de novas linhas de energia elétrica, novas represas e estações termais de energia, ao mesmo tempo em que persuadia os cidadãos a apagar as luzes quando pudessem. Sua estrela política começou a reluzir brilhantemente. Mas em 1994, após 24 anos juntos, ela se separou de Araújo, embora aparentemente em bons termos. Ao mesmo tempo, ela estava dividida entre a vida acadêmica e a política, mas sua tentativa de adquirir o doutorado em Ciências Sociais falhou em 1998.

Em 2000, ela se projetou junto a Lula e seu Partido dos Trabalhadores, que passou a mirar com sucesso a combinação de crescimento econômico com um ataque à pobreza. Os dois imediatamente se deram bem e ela se tornou sua primeira ministra de energia em 2003. Dois anos depois ele a nomeou chefe da Casa Civil e tem apoiado-a como sua sucessora. Ela estava ao seu lado quando o Brasil descobriu vastas reservas de petróleo no mar, ajudando o líder, o qual muitos na mídia europeia e americana denunciavam há uma década ser um provocador de naufrágios da extrema esquerda, a tirar 24 milhões de brasileiros da pobreza. Lula esteve ao seu lado em abril do ano passado quando ela foi diagnosticada com câncer linfático, uma condição que tinha sido considerada sob controle há um ano. Relatos recentes de irregularidades financeiras entre sua equipe não parecem ter danificado sua popularidade.

Roussef deve provavelmente convidar o presidente Mujica, do Uruguai, para sua posse. O presidente Evo Morales da Bolívia, Hugo Chavez da Venezuela, e Fernando Lugo do Paraguai, outros líderes sul-americanos bem-sucedidos como ela, intemperizados com campanhas de difamação impiedosas pela mídia ocidental, também devem estar lá. Será uma celebração de decência política, e feminismo.

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