“Caracas sem água”, por Gabriel García Márquez, em comparação com São Paulo
QUI, 15/01/2015 - 09:15
Por Edison Brito
Lendo o livro de artigos de Gabriel Garcia Márquez, intitulado “Da Europa e da América – Obra Jornalística 3”, me deparei com um que tem muito a ver com a atual crise hídrica de São Paulo
Escrito em 6 junho de 1958 ele descreve os acontecimentos de uma cidade que ficou simplesmente sem água.
Então, em vez de um exercício futurístico, convido-os a se defrontarem com uma realidade “passadística”.
Eis alguns trechos do artigo.
“6 de junho de 1958: Caracas sem água.
Depois de escutar o boletim radiofônico das sete da manhã, Samuel Burkart… foi ao armazém da esquina comprar água mineral para se barbear . Caracas parecia uma cidade fantasma.
Samuel teve de fazer fila no armazém para ser atendido…o único assunto das últimos quarenta dias e que naquela manhã estourava na rádio e nos jornais … a água acabara em Caracas… As últimas reservas se destinavam aos serviços essenciais. O governo tomava havia 24 horas medidas de extrema urgência para evitar que a população perecesse vítima da sede.
As edições dos jornais, reduzidas a quatro páginas, eram destinadas a divulgar instruções oficiais… e evitar o pânico
…esgotaram em uma hora o estoque ( de água mineral) do armazém…a venda de suco de frutas e gasosa estava racionada… cada cliente tinha direito à cota-limite de uma lata de suco de frutas e uma gasosa por dia… (Samuel) se barbeou com suco de pêssego.
Uma senhora regando o jardim disse a respeito da necessidade de economizar água: são mentiras dos jornais para meter medo. Enquanto houver água eu regarei minhas flores.
Os bairros pobres ficaram sem água. Nos bairros residenciais se restringiu a água a uma hora por dia.
… a notícia explodiu em toda a largura dos jornais. As reservas de La Mariposa só davam para 24 horas… Burkart, que tinha o hábito da barba diária, não pode sequer lavar os dentes.
Nas ruas, os ratos morrem de sede. O governo pede calma.
Burkart se dirigiu a pé ao seu escritório. Não usou o automóvel pelo temor de que esquentasse. Simplesmente não havia água para os automóveis… No centro havia alguns automóveis com motores superaquecidos abandonados pelos proprietários. Os bares e restaurantes não abriram as portas.
… Durante toda manhã caminhões do INOS (a SABESP nossa), com capacidade para vinte mil litros, distribuíram água nos bairros residenciais. Com a colaboração dos caminhões-tanques das empresas petrolíferas, havia trezentos veículos para transportar água até a capital.
A população sedenta, especialmente nos bairros pobres, precipitou-se sobre os carros-pipas e a força pública teve de intervir.
Na praça Estrella, curiosos assistiam a um espetáculo terrível: de todas as casas saíam animais enlouquecidos pela sede.
À noite, às dez, foi imposto o toque de recolher
Quarenta e oito horas depois que a estiagem atingiu o ponto culminante, a cidade ficou completamente paralisada. O governo dos Estados Unidos enviou, a partir do Panamá, uma esquadrilha de aviões carregados com barris de água. A força área venezuelana e empresas comerciais que prestam serviço ao país substituíram suas atividades normais por um serviço extraordinário de transporte de água. Os aeroportos de Maiquetiá e la Carlota foram fechados ao tráfego internacional e destinados exclusivamente a essa operação de emergência.
Em Las Mercedes e em Sabana Grande a polícia interceptou vários caminhões piratas que chegaram a vender clandestinamente o litro de água a vinte bolívares (preço aviltante).
Em San Agustín del Sur o povo se apoderou de outros dois caminhões piratas e repartiu seu conteúdo entre a população infantil.
Os boatos se espalharam. Dizia-se que os parque de Caracas começavam a pegar fogo. Nada se poderia fazer quando o fogo se propagasse.
Outro boato assegurava que á tarde, na velha estrada para Los Teques, uma multidão apavorada que tentava fugir de Caracas sucumbira à insolação. Os cadáveres expostos eram a origem do mau cheiro (na cidade).
Apesar de as autoridades tentarem evitar a desmoralização, era evidente que o estado de coisas não era tão tranquilizador como eles mostravam. Ignorava-se um aspecto importante: a economia. A cidade estava totalmente paralisada. O abastecimento fora reduzido e nas próximas horas faltariam alimentos. Surpreendida pela crise, a população não dispunha de dinheiro vivo. Os armazéns, as empresas, os bancos estavam fechados. As lojas dos bairros começavam a fechar as portas por falta de sortimento.
Às nove da noite, Burkart abriu portas e janelas, mas se sentiu asfixiado pela secura da atmosfera e pelo cheiro. Reservou cinco centímetros cúbicos, de seu litro e água, para se barbear… A sede produzida pelos alimentos secos começava a fazer estrago em seu organismo. Dispensara os alimentos salgados. Tomou um gole de água e dormiu. Despertou sobressaltado. Sentiu em todos os andares do prédio, um tropel humano que se precipitava para a rua… Necessitou de vário segundos para se dar conta do que se passava: chovia a cântaros. “
Bem , é evidente que os tempos são outros. A tecnologia mudou. Mas, como se pode ver, contamos apenas com o fator chuva.
Apesar de todos os alertas não existiu, por parte do governo Alckmin, um trabalho de conscientização em relação ao uso de água. Um pano B durante estiagem. Não há nada. A não ser ações na bolsa de valores de NY.
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