Brizola, para Lula e Dilma
25 de maio de 2014 | 16:50 Autor: Fernando Brito
Nem toda inveja é ruim.
Há inveja das boas, como a que senti lendo este artigo de Rodrigo Vianna, publicado ontem à noite no seu Escrevinhador , que não apenas trata de questões que tenho levantado aqui: de como falham e falharam os governos Lula e Dilma em politizar e ideologizar, no melhor sentido , o processo de ascensão social.
“Dilma e Lula não travaram o combate simbólico, não mostraram de forma didática que 30 milhões de brasileiros saíram da miséria graças a políticas públicas. Esse salto gigantesco não veio (apenas) do esforço individual. É fruto da política. A mesma “política” esculhambada nas rodas de bar, nas ruas, nas telas e nos comentários-padrão de leitores de grandes portais da internet.”
Vianna também percebe o que eu tinha registrado aqui: o povão percebeu o altíssimo coeficiente eleitoral de denúncias, protestos e críticas ao governo, embora várias delas possam ter seus motivos.
E, para eu me roer desta inveja boa dele, Rodrigo, trazer o que era minha obrigação: as lições que ouvi dúzias de vezes do velho Brizola, tal como as disse no encerramento de sua segunda campanha ao Governo do Rio:
“As pessoas sozinhas, apenas com seus valores originais de ser humano, no uso da razão e do bom senso, sozinhas, se defendem, constroem uma espécie de uma carapaça, de uma proteção entorno da sua mente, de seus valores culturais, daquilo que é original na nossa gente, esse povo assimila o que lhe interessa e se defende da pressão contra sua cultura, contra seus valores, contra seu pensamento autêntico.”
E de ele poder, com mais liberdade que eu, suspeitíssimo, se aventurar numa recomendação:
“O Brasil precisa de uma liderança que aponte caminhos. Dilma precisa ser a Dilma do Primeiro de Maio, e não a Dilma do omelete com Ana Maria Braga.
Dilma e Lula precisam ser mais Brizola… “
Leia (que maravilha!) o pensamento em crônica de Rodrigo Vianna:
Crônica de um povo que resiste ao “caos”
Rodrigo Vianna
Começo da noite numa quinta-feira friorenta em São Paulo. O barbeiro que cuida do que restou de meu cabelo recebe-me preocupado: “Rodrigo, o que tá acontecendo no Brasil?” E ele mesmo responde: “acho que estão querendo derrubar o PT”.
O barbeiro está ressabiado com a onda de violência e pessimismo. Além da barbearia, mantem um pequeno sítio no interior paulista – onde produz mel. Comprou, com financiamento do PRONAF, caminhonete nova para transportar o produto… Longe de ser petista, ele se tornou fã de Lula. E observa tudo, inclusive a onda midiática antiBrasil, como um apicultor observa suas abelhas: há muito zumbido, risco de picadas; mas é preciso produzir o mel.
Corte para 24 horas antes. A moça que faz a limpeza em casa pede pra ir embora mais cedo. “Está uma bagunça na zona sul, Seu Rodrigo. O terminal de ônibus está fechado. Esse povo não tá contente com nada?”. Ela faz planos de abrir um pequeno comércio com o marido. Não leva uma vida maravilhosa. Longe disso. Mas sabe avaliar o que era o Brasil há 10 anos. E o que é hoje.
Conto isso tudo para meu filho, de 18 anos. E ele diz que o garçom – que o atendia dia desses num boteco em São Paulo - também mostrava desconfiança diante do “caos” que emana das telas e das ruas: “isso aí é jogada política, pra mudar de governo na eleição.”
Sim, o povão está começando a fazer sua leitura dos fatos… Como dizia Brizola (clique aqui, para relembrar o discurso memorável do velho Leonel, durante campanha no Rio, em que ele dizia como enfrentar a Globo e seus aliados):
“As pessoas sozinhas, apenas com seus valores originais de ser humano, no uso da razão e do bom senso, sozinhas, se defendem, constroem uma espécie de uma carapaça, de uma proteção entorno da sua mente, de seus valores culturais, daquilo que é original na nossa gente, esse povo assimila o que lhe interessa e se defende da pressão [midiática] contra sua cultura, contra seus valores, contra seu pensamento autêntico.”
Novo corte. Recolho umas camisas sociais, e sigo até a lavanderia perto de casa. A placa salta da vitrine: ”precisa-se de ajudante”. Lá dentro, fila de clientes. O atendimento é gentil e eficiente: típico do povo brasileiro (entre numa lavanderia em Paris ou Londres, e compare).
Mal-humorada é a elite que compra as camisetas da Ellus… A marca – acusada de usar trabalho escravo – estampa em suas camisetas: “abaixo este Brasil atrasado”.
Penso na taxa de desemprego no Brasil (abaixo de 5%), enquanto sigo para outro bairro. Tento parar o carro num estacionamento lotado. Nova placa: “precisa-se de manobrista”. Converso com o rapaz que me atende: “tá faltando gente pra trabalhar?” E ele: “o patrão subiu até o salário inicial, acho que agora vai conseguir um pra me ajudar aqui com os carros”.
Volto a minhas conjecturas. Quem só convive em círculos de classe média deve acreditar que o Brasil está à beira do caos. A classe média está com raiva, muita raiva. E a cobertura midiática reflete essa raiva. Insufla a raiva, dissemina a raiva.
Parte do povão acaba contaminada pelo clima de “caos”. Mas outra parte, enorme, observa tudo com muita inteligência – feito o garçom, a moça da limpeza ou o meu barbeiro. Matreiro, ele encerrou a conversa na quinta-feira com uma piscadela: ”eles querem derrubar a mulher do Lula [assim ele chama a Dilma], mas a gente está entendendo bem o que tá acontecendo…”
Essa desconfiança com o que se vê nas telas da TV, e essa impressionante resistência ao bombardeio midiático são a explicação para que Dilma siga com 40% dos votos em meio ao clima de “pega, esfola e mata”.
Dilma e Lula não travaram o combate simbólico, não mostraram de forma didática que 30 milhões de brasileiros saíram da miséria graças a políticas públicas. Esse salto gigantesco não veio (apenas) do esforço individual. É fruto da política. A mesma “política” esculhambada nas rodas de bar, nas ruas, nas telas e nos comentários-padrão de leitores de grandes portais da internet.
Fiz essa pergunta a Lula, na entrevista aos blogueiros há pouco mais de um mês. “Por que o PT abriu mão do combate simbólico?” E ele: “combate simbólico? mas minha eleição e a de Dilma já são o símbolo”.
O operário-presidente. A mulher-presidente. Símbolos poderosos, de fato… Talvez isso também explique porque uma parte gigantesca da população brasileira permaneça impermeável à onda de ódio e pessimismo.
Mas é um erro contar apenas com a resistência e a capacidade de análise do povão brasileiro. Ele parece ter compreendido que não há (ainda) um outro projeto para o país. E que a turma sem projeto quer botar fogo no que conseguimos construir a duras penas…
O povão resiste. Mas é preciso oferecer novo projeto: com mais mudança, mais democracia, mais justiça.
O Brasil precisa mudar mais. E não voltar a ser o paraíso dos mervais, jabores, aécios, armínios e dos patéticos que amam a Ellus e detestam o povo brasileiro.
O Brasil precisa de uma liderança que aponte caminhos. Dilma precisa ser a Dilma do Primeiro de Maio, e não a Dilma do omelete com Ana Maria Braga.
Dilma e Lula precisam ser mais Brizola… Aliás, no mesmo discurso citado acima, o líder trabalhista explicava didaticamente:
“A causa deles é tão ruim, é tão miserável, é tao infeliz, que com tudo isso [o aparato midiático] na mão, eles não conseguem pressionar praticamente a ninguém.”
Obrigado, Rodrigo, por ter me dado esta bendita inveja.
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