terça-feira, 12 de março de 2013

Esperando a fumaça.


A Santa Madre e o fundamentalismo evangélico 

A unção do pastor homofóbico e racista à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias dá o que pensar. O pessoal está revoltado e expõe os vídeos do cara na internet. Ele é tosco. E eu fiquei matutando. Até que ponto a Santa Madre tem a ver com o crescimento desses cultos neopentecostais baratos, que vêm encantando multidões?

Antes do Ratozinger, antes daquele outro que gostava de beijar chão, a Santa Madre estava mais enraizada junto às populações pobres da América Latina. Quem fazia o trabalho não era padre-cantor, não era padre-dançarino, não era padre-que-frequenta-a-ilha-de-caras. Era o pessoal da teologia da libertação.

A teologia da libertação não ficava na torre de marfim. Comia poeira da estrada. Organizava os fiéis nas comunidades de base. Formava uma rede de compromisso, de consciência de classe e de pertencimento. É. Pertencimento. Talvez seja a palavra-chave.

O ser humano se re-conhece no Outro. Ele se auto-constrói quando sente que é parte de um grupo, de um coletivo, de uma associação, de uma classe social. O trabalho alienado e o consumismo isolam as pessoas - são cadeias de montagem. As comunidades de base eram espaços de pertencimento. Quantas eram, no Brasil todo? Engajavam quantas pessoas? Atingiam quantas famílias? Os últimos dois papas passaram a régua. 

Os cultos neopentecostais ocuparam o vácuo. De uma maneira vertical, massificada e talvez enganadora. Mas eficaz. Olha os vídeos do pastor pelo outro lado. Vê a plateia. O pessoal entra em êxtase. É um negócio dionisíaco, fusão do ego no grupo, pertencimento extremo.

O outro caminho é perceber a alienação e exercer o companheirismo no trabalho e em casa. Não é fácil. É a opção pelo coletivo, numa sociedade que valoriza o individualismo. Não são muitas as instituições que ajudam. Os partidos não são amigáveis. Os sindicatos atingem pouca gente. E a Santa Madre baixou o centralismo e acabou com a festa.

Depois vieram os padres-cantores-que-dançam-e-frequentam-a-ilha-de-caras. Mera imitação.

Antes que alguém reclame: não estou jogando toda a culpa na Santa Madre. Só quis explorar um lado que eu não vejo ninguém comentar.

Onde mais o sujeito pode exercer o auto-reconhecimento sentindo-se parte de um grupo? Torcida de futebol não vale. Ainda mais hoje em dia, que é briga de gangue. Tem as escolas de samba. Escola de samba era legal. Cultura popular. Mas virou show-business. Não é à toa que algumas escolas andam com dificuldade para montar a ala das baianas. As pastoras do samba estão virando ovelhas dos cultos. E o samba é do diabo. Os líderes religiosos não são bobos. Arrasam com a concorrência.

Espaços privilegiados seriam os partidos e os sindicatos. Mas aí a porca torce o rabo.

O Partido dos Trabalhadores foi um pouco isso, lá no início. Com muita ajuda das comunidades de base, diga-se de passagem.  Mas a luta interna afastou a maior parte da gente normal. Ficaram só os tarados. E a disputa do poder de estado moldou o partido à imagem e semelhança dos outros. De tanto jogar o jogo, o PT se conformou à mediocridade. Ainda tem um papel relevante, é claro. Foi o motor das reformas populares dos últimos dez anos. Mas virou máquina de lutar pelo poder de estado. Sua capilaridade é enganosa. Tem muito filiado de cabresto.

E os sindicatos? Para começar, representam pouca gente. O nível de sindicalização é baixo. E os sindicatos são muito ruins, enquistados numa estrutura proto-fascista, incapazes de organização de base, reduzidos a lutas econômicas esporádicas e de resultados duvidosos. Quando eu era sindicalista, gostava de ver o trabalho de base dos bancários de São Paulo. Dos metalúrgicos do ABC. De muitos sindicatos menores, que participavam para valer da política local. Acho que eles continuam bons. Mas são exceções. Não fazem verão.

Depois o pessoal chia. Diz que a gente está no governo, mas não no poder. Expressão enganosa. O poder não é um lugar onde a gente senta e pronto. É uma rede de relações sociais. Ganhar no voto faz parte da disputa de hegemonia. Mas não a esgota.

Teologia da prosperidade
Não adianta reclamar que eles exploram os fiéis. O cara fumava e bebia horrores, não parava no emprego, brigava no bar e batia na mulher. Ele entra para a igreja, se torna um trabalhador adaptado, economiza o dinheirinho da cachaça e do cigarro, respeita a esposa. Ele melhora de vida. O dízimo sai até barato.

A teologia da libertação, sufocada pela hierarquia da Santa Madre, era um exercício de solidariedade. O neopentecostais têm a teologia da prosperidade, calcada no sucesso individual. É uma versão bastarda da ética protestante, que Weber analisou. A ética protestante visava à acumulação austera. Já cumpriu seu papel histórico. Agora o negócio é consumir. Comprar símbolos de status é evangelização. Exibir publicamente o enriquecimento é testemunho de fé.

Por isso as ovelhas não se escandalizam com a riqueza do pastor. Mansões, carros importados e relógios de ouro são as línguas de fogo do Espírito Santo - marcam os homens ungidos.

E - como eu disse ali no início - o crente prospera também. Só um pouquinho, é claro. E às custas do embotamento da crítica. E daí? Se ele não passou da pobreza remediada, é porque ainda cai em pecado de vez em quando. Outro dia mesmo ele ficou espiando as coxas das dançarinas da TV.

Os pastores gostam de pintar um quadro de perseguição religiosa, de uma sociedade secularizada que estigmatiza os crentes. Só é verdade até certo ponto. No fundo, eles remam a favor da maré. São pilares ideológicos do capitalismo. Operam contra a consciência de classe. Desde a Reforma, o foco é o indivíduo. O coletivo só entra na hora do êxtase mistico. Droga na dose certa. A salvação, essa é privatizada.


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