Então, vamos ao trabalho. Ontem o Cachoeira esteve na CPI e não falou nada, como se esperava. A CPI cometeu um erro em chamá-lo neste momento, em que ainda não foram processados os milhares de documentos, áudios e vídeos à disposição de seus membros. Tudo bem, viremos a página.
Seja como for, a mídia deixa bem claro que não está aqui para fazer nenhuma crítica construtiva. Qualquer erro cometido nesta CPI é ampliado ao máximo por seus colunistas. Está todo mundo com a faca no pescoço. Parlamentares estão sendo vigiados com supercâmeras que não lhes deixam sequer espaço para mandar torpedos. O caso do Vacarezza foi, literalmente, “torpe” (trocadilho involuntário, rs). A primeira reação, em todos os interessados em ver uma CPI fazendo um trabalho sério, é irritação profunda com o deputado petista. De fato, ele foi ingênuo, para usar um adjetivo delicado. Ou aloprado, para ser mais preciso. Em momentos assim, já vimos em votações do Supremo, a mídia fica de olho em qualquer gesto, em qualquer erro. Num debate do STF (me foge agora qual), filmaram um dos ministros escrevendo mensagem para um colega. Também fizeram um escândalo. E durante a votação, ainda no Supremo, que aceitou a denúncia do mensalão vinda da Procuradoria, uma repórter flagrou uma conversa do ministro Lewandowski ao celular, num restaurante, na qual ele diz que os juízes votaram com “faca no pescoço”, referindo-se à imprensa.
Agora é a mesma coisa.
Os ataques ao presidente da CPI, Vital do Rego, tem o mesmo objetivo.
A ingenuidade à Vacarezza custou caro. Deu corda para a mídia tentar enforcar a CPI, e ajudou-a em sua estratégia de blindar Marconi Perillo através de ameaças a Sérgio Cabral.
Graças a Deus que Dilma o tirou da liderança do governo. Parece que ela adivinhou que ele não está em sua melhor fase.
Entretanto, Zuenir Ventura, um jornalista boa praça mas que vem assimilando, serenamente, todos os vícios costumeiros da grande mídia, faz hoje uma comparação bizarra entre Demóstenes Torres e Vacarezza:
Pode-se alegar que Demóstenes é um caso à parte, quase patológico. Mas há outros exemplos dessa prática, como o do deputado petista Cândido Vaccarezza, flagrado garantindo blindagem ao governador Sérgio Cabral.
Por que Demóstenes seria “um caso à parte”? Por que seria “quase patológico”? Ventura vai insistir naquela tese com a qual a mídia tentou amaciar os aspectos mais propriamente partidários e ideológicos da corrupção de Demóstenes Torres? Não foi “caso à parte”. A corrupção existe em todos os partidos, mas o DEM é mais que os outros, e oferece, de longe, o espetáculo mais bizarro em se tratando de sem-vergonhice e bandidagem. Os fatos mostram isso. Tem até estatística, mostrando que o DEM é o campeão absoluto de parlamentares cassados por roubo de verba pública.
A comparação com Vacarezza é simplesmente desonesta. O recado de Vacarezza, por mais imbecil que seja, não fala nada de acobertar crimes. Não pode se comparar um torpedo infeliz, que não diz nada de ilícito, com uma vida dedicada a crimes pesadíssimos, como é o caso de Demóstenes Torres.
Quanto ao governador do Rio, a CPI promove debates públicos, onde a oposição tem pleno direito de expor suas denúncias a quem quer que seja. Se houver alguma prova contra Sérgio Cabral, que se a mostre e que se o leve à CPI. Levá-lo apenas porque festejou em Paris seria ridículo. E se forem levá-lo à CPI porque a Delta tinha negócios com o governo do Rio, então que se chame também Serra e Kassab, que fizeram negócios ainda mais polpudos com a empreiteira.
Zuenir encerra o texto com um choramingo lacerdista contra tudo e todos, o que não faz justiça ao progresso da sociedade brasileira no quesito combate à corrupção. Há poucos anos, seria impensável ver a Polícia Federal prendendo tanta gente importante, numa escala tão grande, e desbaratando quadrilhas que operavam em esferas tão elevadas.
Analisemos o final de seu texto:
O efeito mais nocivo desse comportamento que mistura mentira, hipocrisia e cinismo é a sua capacidade de contagiar a sociedade. Como já disse Jurandir Costa, é “essa sensação de que nada mais tem valor; de que o valor não existe, que tudo é igual. Ou seja, passa a imperar uma filosofia, que eu chamo de razão cínica, que, no nível político, do dia a dia, diz que, seja eu um mau-caráter, seja eu um homem de bem, é exatamente igual. Ou pior: do ponto de vista do usufruto individual, há até mais vantagens em ser um cafajeste”.Em outras palavras, a razão cínica, aliada à impunidade, reforça a ideia de que o crime de colarinho branco de fato compensa.
Ora Zuenir, existe mentira, hipocrisia e cinismo em toda parte, inclusive na mídia. Volte um pouco as páginas do jornal e verá coluna de um sujeito chamado Merval Pereira, para quem esses adjetivos cabem como luva. Esses vícios existem no Congresso também, mas aí são 513 deputados, de maneira que há muito mais pluralidade e gradações da canalhice. Há os mais e há os menos canalhas, e talvez até alguns bem intencionados. Ontem, por exemplo, foi aprovada, por grande maioria na Câmara dos Deputados, uma lei que combate o trabalho escravo na agropecuária. Eles também fazem coisas boas. A sua generalização contribui para uma visão preconceituosa da política, na linha da campanha vulgar que a imprensa vem fazendo, desde a redemocratização, sempre desqualificando o Legislativo.
Os ataques mais pesados à CPI, contudo, estão na Folha desta quarta-feira. Os dois colunistas políticos da página 2, Hélio Schwartsman e Fernando Rodrigues, fazem ataques duros ao trabalho dos parlamentares. O primeiro repete o raciocínio bizarroque a mídia vem tentando martelar na cabeça de seus leitores: que a CPI é um erro, porque contraria interesses poderosos e os deputados só aprovaram-na porque não perceberam isso. Ora, foi a CPI que contou com o maior número de assinaturas da história! Os deputados e senadores sabiam muito bem o que estavam fazendo! Se aprovaram uma investigação que arrisca contrariar interesses poderosos, merecem elogios, e não serem chamados de ingênuos!
O colunista de sobrenome alemão omite que a CPI está conseguindo a quebra de sigilos fiscais, telefônicos e bancários dos membros mais graduados da quadrilha, e que o caráter aberto e público da investigação permite à sociedade discutir os seus aspectos propriamente políticos, que é o conluio entre Cachoeira e a Veja. Esta é uma seara que a PF não tem competência para trilhar. A CPI está fazendo isso.
Rodrigues, por sua vez, faz um protesto aparentemente justo, mas na verdade arrogante e açodado, ao pedir que os parlamentares processem as milhares de páginas dos processos, e ao dizer que “ninguém fez ainda tal trabalho”. Ora, ele sabe o que as assessorias fazem, por acaso? Não sabe. É claro que há equipes lendo e analisando os processos, até porque os parlamentares que se destacarem na CPI ganharão destaque na mídia e nas redes sociais. Há uma saudável competição política entre eles. O jornalista raciocina tortuosamente, ao indicar a existência de milhares de páginas de processo à disposição de parlamentares, esquecendo de mencionar que estas só estão disponíveis aos representantes do povo justamente porque eles criaram uma CPI e as solicitaram à Polícia Federal. A CPI tem 180 dias, podendo ser renovada por mais 180, não tem sentido exigir que os assessores leiam tudo em poucos dias. Há, inclusive, muito material ainda não degravado. Sem esquecer que deputados e senadores, por mais que se dediquem à CPI do Cachoeira, tem muitas outras obrigações legislativas em suas agendas.
Uma das críticas de Rodrigues, por exemplo, é que “sem quebrar o sigilo da Delta nacionalmente, jamais a CPI do Cachoeira chegará a uma conclusão definitiva se esta empreiteira praticava ou não traficâncias diversas.”
Bem, a CPI quebrou o sigilo do Claudio Abreu, diretor da Delta no Centro-Oeste, incluindo suas contas no Rio de Janeiro. E poderá quebrar o sigilo da Delta na sequência. Não dá para fazer tudo de uma vez. A oposição está querendo bagunçar o meio de campo para melar o jogo antes que esse comece a engrenar. Esta CPI não é mais lenta que outras, ela é diferente, porque inicia com um volume gigantesco de material investigativo, que precisa ser processado. Se os parlamentares puderem trabalhar com um mínimo de serenidade, com a liberdade de movimentarem seus pescoços sem o risco de serem cortados por alguma faca, talvez esta CPI possa dar enorme contribuição à luta contra a corrupção no país.
A meu ver, o objetivo principal não é juntar provas para condenar Cachoeira à prisão perpétua, ou botar o Civita, dono da Veja, pra dormir na Papuda, e sim trazer à luz e esclarecer os estrategemas usados pelo Clube Nextel e seus aliados na mídia para conquistar mais grana e poder. É uma luta política em prol da verdade, apenas isso, porque a verdade, assim como o sol, tem o dom de desinfetar. A Veja pode até conseguir adiar a ida de Poli ou Civita à CPI, mas já sofreu a pior derrota que um meio de comunicação pode sofrer: sua credibilidade, ou o resto que havia dela, foi pro beleléu. No próximo escândalo que pintar em suas páginas, todos se perguntarão: e aí, quem te deu isso, Fernandinho Beira Mar? Com quem Poli andou brincando ultimamente?
Se aliados do governo federal, seja Cabral seja Agnelo, também estiverem envolvidos no esquema, que não se perdoe ninguém. Como disse o senador baiano Walter Pinheiro, “caiu na rede é peixe”. O que não vale é ameaçar Cabral para blindar Perillo, repetindo a mesma tática bandida que a Veja usou durante todos os anos em que se valeu dos grampos ilegais de Cachoeira para atacar seus adversários e blindar seus aliados.
O Cafezinho apóia todos os parlamentares e senadores que assinaram a CPI e querem agir com firmeza, coragem e bom senso. Sem pressa, sem afobação, com a prudência que é necessária em tudo na vida, enfrentando os próprios erros com humildade, de olhos na justiça, não nas luzes da ribalta. O importante, para a sociedade, é o esclarecimento. O resto é trabalho para juízes, promotores e delegados.
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