Um candidato à presidência da República (ou aqui na Alemanha ao posto de Primeiro Ministro) que entrasse numa igreja – de qualquer religião – e dissesse que quem fuma é contra Deus, seria destituído de sua candidatura, nem que seja por tomar seu Santo Nome em vão.
Flávio Aguiar
Normalmente detesto esse tipo de comparação: “ah, aqui na Europa as coisas são assim e assadas; já no Brasil...”. Em geral esse tipo de comparação se estriba em tudo que é preconceito contra a nossa terra, e é coisa de quem se acha “cosmopolita”, e “civilizado em terra tupiniquim...”. E por aí vai. Mas às vezes esse tipo de comparação se torna inevitável.
Vou fazer algumas, tomando por base a Alemanha, falando de certas coisas e outras loisas que pensei, depois de ler sobre atitudes e declarações que me fazem pensar que seus autores estão na situação em que se julga o Visconde de Valmont, n’As ligações perigosas, de Choderlos de Laclos, que, ao considerar sua vítima, Madame de Tourvel, acha que está diante de uma página em branco, o que lhe permite fazer tudo o que lhe aprouver: “O que a sra. me propõe? Seduzir uma jovem que nada viu, nada conhece, que, por assim dizer, me será entregue sem qualquer defesa”... (Carta de Valmont à Marquesa de Merteuil).
1) As coisas.
Um candidato à Presidência da República (ou aqui ao posto de Primeiro Ministro, dito Chanceler) que entrasse numa igreja – de qualquer religião – e dissesse que quem fuma é contra Deus, seria destituído de sua candidatura, nem que seja por tomar seu Santo Nome em vão. Seria indicado como candidato à porteiro da mesma igreja, para deixar de falar besteira e aprender um pouco de humildade.
Um candidato que dissesse a um jornal, peremptoriamente, que “com Fulano do país tal não meu reunirei nunca, nem jamais o convidaria para nos visitar”, levaria uma chamada da direção do partido, além de cair no descrédito generalizado. Provavelmente seria enviado por três semanas ao Iraque ou à Coréia do Norte, para aprender a reunir-se com quem quer que seja em qualquer circunstância, aprender novas línguas e arejar a cabeça.
Um candidato que saísse propalando que a União Européia é uma farsa (já que a sua moeda está mais enrolada que corda de fumo em porta de venda antiga, e tem país mais perdido do que cusco em procissão), que desejaria “flexibiliza-la” e ao Euro, para permitir mais “acordos bilaterais”, seria enviado para fazer um estágio em Bruxelas como tradutor, para ver se consegue desflexibilizar a sua língua, e dizer coisas mais precisas e necessárias, do que sem pé nem cabeça.
Um candidato que dissesse sem mais aquela, aquele ou aquilo, que vai criar um novo ministério redundante, numa hora de crise financeira mundial e de responsabilidade fiscal, simplesmente para agradar o âncora e os ouvintes de um programa de rádio policialesco, e depois, para compensar, anuncia que vai fechar a sua secretaria de governo que procura projetar o futuro do país, seria mandado para um estágio como síndico de prédio, a projetar como será o bairro dali a alguns anos, para aprender a fazer previsões e provisões.
E por aí vai...
Falemos agora sobre
2) As loisas
Uma jornalista que, sem qualquer comentário ou sem ressalvas, repetisse a “brincadeira” de um prócer partidário, dizendo que a massa que se reúne na sua convenção é uma “massa cheirosa”, seria destacada dali para frente para fazer a cobertura de uma fábrica de sabão, para ver o que é uma “massa cheirosa”. O prócer seria nomeado zelador da estrebaria do Jóquei Clube.
Já a enviada especial ou editor que criasse ou aceitasse uma manchete como “Primeiro Ministro turco rouba a cena de Lula” ao anunciar o acordo de Teerã, seriam ambos enviados a curso de boas maneiras, para aprender o que é protocolo diplomático, antes de anunciar bobagens desse tamanho.
Por outro lado, o mancheteiro de algo como “EUA atropelam acordo de Lula”, falando do acordo de Teerã, teria de digitar 500 vezes, sem recorrer à tecla de reprodução ou edição, “Vou aprender a chamar as coisas pelo seu nome”.
E o jornalista que, em qualquer circunstância, em qualquer espaço, mesmo que os dois estivessem trancados sozinhos num elevador sem microfone e com a câmera desligada, dissesse à Chanceler Ângela Merkel que “a senhora é uma má Chanceler mas é uma boa pessoa”, e ainda saísse escrevendo isso depois, por mais engraçadinho e simpático que ele ache que estivesse sendo, seria enviado pela direção do jornal para um estágio no cafezinho do edifício da Chancelaria, para se dar conta do que significa o palavra “decoro”.
Aquele outro que escreveu que algo como um acordo internacional – seja qual for – assinado pela chefa de estado daqui que “isso não vale o papel em que foi assinado”, seria destacado para carregar pessoalmente as bobinas do papel para a redação, para verificar o quanto vale o peso do papel em que seus artigos serão impressos.
E por aí se vai, caros e caras leitores e leitoras. Muitos expressivos colunistas de quanta redação brasileira, se fosse aqui, estariam trabalhando em tablóides vagabundos e sensacionalistas. Bom, vai ver que o lugar que eles escrevem são tais e quais.
O que quero dizer, que fique bem claro, é que uma coisa é uma coisa, e uma loisa é uma loisa. Crítica é crítica: é coisa séria, mesmo quando feita com bom humor. E que essa linguagem impune do deboche, da avacalhação, do desrespeito, só existe no clima de impunidade e arrogância que uma parte da nossa mídia convencional – e logo a que se quer hegemônica – se auto-atribui.
Para completar: se algum chefe de qualquer coisa em alguma redação dissesse que cabe à imprensa fazer o papel de oposição, porque a oposição está “fragilizada”, ou seja, numa democracia, não vale o peso do seu papel, levaria tal esculacho de seus chefes e dos outros jornais, que nunca mais sairia piando loucuras como essa.
Chega. O nosso país, com seus problemas, o nosso povo, com suas dificuldades, é terra e gente boas. E onde esse planta naquele, dá. Agora, tem cada coisa e loisa...
Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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