A análise de conjuntura está paralisada por algumas indefinições.
Por exemplo, o blogueiro Luis Nassif publicou uma série de posts sobre um
possível golpe eleitoral, costurado no judiciário, com a entrega da relatoria das
contas de Dilma em mãos do ministro Gilmar Mendes, conhecido por um
oposicionismo estridente. Segundo Nassif, Gilmar tentará usar dados da operação
Lava Jato, que prendeu donos de empreiteiras que doaram para a campanha de
Dilma, para impugnar sua vitória.
O fato das mesmas empreiteiras terem doado para a campanha de Aécio, contudo
, dificultará a manobra.
De qualquer forma, essas paranoias, fundadas ou não, terão vida curta, visto que
o TSE terá de aprovar as contas da campanha da presidenta até o próximo dia 10
de dezembro. Uma eventual impugnação das contas, por sua vez, deverá ser feita
até sexta-feira agora.
*Com exceção desse fantasma incômodo, marcado para desaparecer dentro de
alguns dias, a política segue seu curso normal, dentro das circunstâncias da nossa
jovem e nervosa democracia: a saber, diariamente uma nova leva de crises política
s e escândalos.
Às vezes eu me pergunto se ainda há alguém que realmente lê as reportagens
sensacionalistas sobre a corrupção na Petrobrás.
A agenda política da imprensa ficou tenebrosamente chata, deprimente e
tendenciosa.
A oposição e a mídia bem que tentaram jogar o peso das denúncias apenas nas
costas do PT, mas a operação não deu certo.
Pode não ser agora, mas em algum momento, a presidenta Dilma e o PT serão
vistos como os mocinhos nesta história: foram eles que deram autonomia e
condições à Polícia Federal para investigar.
O fato da PF pegar diretores da Petrobrás e servidores ligados à base aliada
apenas reforça o republicanismo heroico, às vezes quase suicida, do governo.
Ao que parece, a PF desbaratou outra quadrilha com conexões dentro do governo:
os procurados tinham ligações familiares com o ministro da agricultura.
Ponto para a PF e para o governo.
*Passei uma semana em Nova York – por isso o título – e aproveitei para comprar
jornais e revistas, por lá.
No New York Times, li uma extensa reportagem sobre o sistemático desvio de
recursos e armas fornecidos pelo governo americano ao exército do Iraque.
Os generais iraquianos recebem as armas doadas pelo Pentágono, dão metade
para seus soldados, e vendem o resto. Fazem isso com recursos, alimentos,
roupas.
Inflam as folhas de pagamento com soldados-fantasma, para ficarem com os
salários.
Fazem tudo isso num país devastado pela miséria, fome, guerra, doenças,
fanatismo e terrorismo.
Enquanto os soldados morrem em emboscadas organizadas por grupos
terroristas cada vez mais presentes e perigosos, os oficiais enriquecem à custa
do sangue de seus próprios compatriotas.
É uma lógica macabra: quanto mais terrorismo, mortes e caos, mais os EUA
mandam recursos e armas, e mais os corruptos ganham dinheiro.
Nos últimos 10 anos, as cifras desviadas montam a dezenas de bilhões de dólares.
O nervosismo dos americanos cresce junto com a expansão do Estado Islâmico e
outras organizações no Iraque. Alguns falam em repassar dinheiro diretamente
às tribos sunitas dispostas a combater o terrorismo, mas o governo iraquiano
rejeita duramente essa possibilidade, alegando que iria violar a soberania do país
e acirrar as rivalidades étnicas internas (o governo é dominado por xiitas,
adversários dos sunitas).
Todos os analistas entrevistados, do governo, do exército e da iniciativa privada,
concordam que há um problema ainda maior que a corrupção do oficialato e do
governo iraquianos: a total impossibilidade de investigar e punir oficiais ligados
ao governo.
Os únicos punidos são oficiais ligados aos adversários do atual presidente do
Iraque.
Ainda no Times, topo com uma matéria curta, sem destaque na primeira página,
sobre um dos mais sangrentos atentados ocorridos este ano no Afeganistão.
Um homem bomba explodiu numa partida de volei numa cidade do interior do
país, matando mais de 50 pessoas e deixando centenas de feridos.
Há alguns anos, uma coisa assim ganharia destaque na capa de todos os jornais.
Hoje, é notinha sem importância.
Na Síria, a guerra civil já matou centenas de milhares de pessoas, e desalojou
outras milhões. Igualmente, há muita corrupção envolvida. Os recursos e armas
doados pelo Ocidente aos “rebeldes” que lutavam contra o governo sírio, acabaram
, ó cruel ironia, em mãos de terroristas do Estado Islâmico.
Todo o oriente médio parece viver um pesadelo. A primavera árabe se tornou um
circo de horrores.
O Egito, agora novamente governado por um militar, voltou a ser uma ditadura.
Na área do Monte Sinai, próximo à fronteira com Israel, o governo bombardeia
civis e destrói casas, num esforço nada humanitário para encerrar o contrabando.
Segundo a Economist, os reinos árabes descobriram uma nova e cruel maneira
de lidar com opositores: tirar suas cidadanias. No Kwait, um empresário dono de
um canal de TV que fazia oposição ao governo, perdeu a cidadania. Sua TV foi
fechada. E ele está prestes a ser deportado, não se sabe para onde, já que não
tem pátria.
A Ucrânia, que também viveu uma revolta do tipo “árabe”, com o povo nas ruas
pedindo (e obtendo) a renúncia de um presidente eleito, vive uma terrível crise
econômica. O PIB deve fechar o ano com uma queda superior a 10%, e a dívida
externa do país explodiu. A Economist pede ao FMI e aos países ricos que
emprestem mais alguns bilhões para a Ucrânia, em troca, é claro, de mais
interferência em sua política econômica.
Todos os países que viveram “revoluções” ou mudanças violentas de governo nos
últimos anos – Egito, Líbia, Síria, Iraque, Ucrânia – estavam muito melhor antes
do que hoje.
Os EUA têm responsabilidade fundamental diante do sofrimento de milhões e
milhões de pessoas. Esse tipo de crítica, contudo, não aparece na mídia
norte-americana.
O México vive uma crise política bastante séria, após o assassinato covarde de
43 estudantes numa cidade do interior.
A Economist tenta uma defesa canhestra de Henrique Peña Neto, presidente do
México, dizendo que ele foi eleito com grandes expectativas e elogiando as suas
medidas neoliberais, como entregar o petróleo do país a estrangeiros. A revista é
obrigada a admitir, porém, que os mexicanos já não gostam de seu presidente.
Recentemente, descobriu-se que Neto mora numa casa de 7 milhões de dólares
pertencente a um empreiteiro da região natal do presidente, e que por pouco não
ganhou um contrato bilionário para construir um trem de alta velocidade, num
projeto do governo.
Assim como no Iraque, o problema da corrupção mexicana é que não há
investigação de membros do governo; quando há, é rapidamente abafada.
No Brasil, é tudo ao contrário. Só há investigação de membros do governo. A
oposição é sempre poupada.
Enquanto isso, a nossa imprensa vende ao distinto público que o problema é o
“bolivarianismo”.
*Entretanto, há um lado saudável nessa cruzada da imprensa comercial contra o
governo. Já ouvi diversos comentários sobre isso de gente bastante antipática
ao PT. É a noção de que, com o PT, a imprensa não abafa.
Isso também ajuda a explicar a vitória de Dilma Rousseff.
Em se tratando de corrupção, havia o temor de que a vitória do PSDB
desencadeasse, na imprensa e nos órgãos de investigação, uma gigantesca
reviravolta.
A grande mídia deixaria de ser de oposição, e se tornaria despudoradamente
chapa-branca.
O Ministério Público, o Judiciário e a Polícia Federal perderiam subitamente o
furioso entusiasmo investigatório antigoverno que mostram hoje.
A corrupção voltaria a ser varrida, alegremente, para debaixo do tapete.
*Estou devendo a continuação do post sobre Enzo Tortora, o maior escândalo
judiciário da Itália em várias décadas. Fá-lo-ei em breve, talvez amanhã, se não
houver nenhum golpe a ser debelado.
*A leitura de reportagens sobre a situação no Iraque, Afeganistão, Síria, Ucrânia,
me fez refletir que devemos agradecer pelos problemas que temos.
Nossa mais atual crise política, por exemplo, tem como pano de fundo uma
grande investigação feita pelo próprio Estado contra membros do próprio governo,
e contra alguns dos homens mais ricos do país. Isso é muito raro em qualquer
parte do mundo.
Na China, de vez em quando há processos amplos contra a corrupção dentro do
governo, mas sempre são direcionados a personagens ligados aos adversários
do comitê central.
As democracias ocidentais, todavia, não são nenhum paraíso anti-corrupção.
Nem a corrupção jamais foi monopólio de estatais. Ao contrário, as crises
financeiras vividas pelos países ricos nos últimos 15 ou 20 anos tiveram, todas,
como epicentro, a corrupção de grandes corporações totalmente privadas.
Os governos dos EUA e da União Europeia, tiveram que despejar trilhões de
dólares, sacados da conta-imposto dos contribuintes de cada país, para pagar
os estragos causados pelo jogo sujo de algumas gigantes do mercado financeiro,
que sempre operaram em conluio com a mídia.
As investigações contra os responsáveis por essas crises deixam sempre a
desejar, mesmo nas democracias mais sólidas.
Por isso, é importante considerarmos que, em meio a tantas crises políticas,
estamos aos poucos forjando uma cultura de investigação e republicanismo que
merece a nossa admiração.
Claro, sabemos que, por trás das investigações, há interesses políticos e pressões
midiáticas, ambos nada republicanos, mas isso é inevitável. Faz parte do jogo.
Desde que não se queira violar a soberania do povo e derrubar um presidente
eleito, sem que haja uma evidência bastante concreta de seu envolvimento
pessoal, a disposição do Estado de investigar a si mesmo é digna de mérito.
*Diante dos massacres cotidianos vistos na Síria, no Iraque e no Afeganistão; do
ebola na África; das guerras civis sanguinárias se alastrando; do assustador
avanço do fanatismo, de um lado, e da tirania, de outro, no oriente médio;
diante de tudo isso dá até vontade de rir da nossa irritação contra a… Katia Abreu.
No entanto, continuo com a mesma opinião.
A maneira como o nome dela foi divulgado, num contexto de total apagão político
e comunicacional do governo, me pareceu um grande erro.
A mesma coisa vale para o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Em minha estada em NY, percebi uma coisa. Tanto o presidente dos EUA, Barack
Obama, como seus secretários, se pronunciam quase diariamente sobre os
principais problemas do país.
Claro, a imprensa de lá é infinitamente mais plural.
Mesmo assim, há um esforço, por parte dos políticos, de falarem diretamente a
seus eleitores. Isso não é considerado bolivarianismo.
O presidente Obama divulga vídeos de suas falas. As TVs reproduzem porque
lhes dá audiência.
É sempre tranquilizante ouvir a opinião do presidente, mesmo que não se
concorde com ele.
Por que Dilma não explica, em vídeo, as razões que a levaram a escolher um
ministro da Fazenda com perfil mais conservador?
Os movimentos sociais e os intelectuais de esquerda continuariam não aprovando,
mas o diálogo ficaria mais aberto, mais transparente.
Além disso, o governo parece agir sempre como se fosse ilegal fazer política.
A mídia é a principal responsável por essa estranha jurisprudência. Que só vale
para o PT, aliás.
Se Dilma não quer fazer isso, se quiser preservar sua imagem, então arrume um
porta-voz, que possa falar diariamente à população, desfazendo boatos,
explicando diretrizes.
No caso da Katia Abreu, por exemplo, seria importante o governo vir à público
falar que, independente do nome indicado para a pasta da Agricultura, terá esta e
aquela diretriz no setor agrícola.
*A Globo está fazendo um jogo esperto: posando de defensora do governo contra
a militância do PT, tratada como um bando de idiotas radicais.
O editorial de hoje consegue uma proeza linguística: elogia as opções
conservadoras do governo para a agricultura e fazenda ao mesmo tempo em que
detona o governo e, sobretudo, a esquerda e a militância, que ousam protestar.
O governo tem de tomar cuidado para não entrar nesse jogo, que é uma armadilha.
A militância é seu único aliado verdadeiro contra a mídia, que forma o principal e
mais perigoso partido de oposição.
Se há divergências entre a militância e o governo, não devem jamais ser dirimidas
por notinhas plantadas na imprensa, e sim através de um diálogo franco, aberto e
transparente.
*O governo Dilma não pode esquecer a lição de junho de 2013.
Popularidade de Ibope e Datafolha não vale nada sem base social.
Na primeira crise, evapora.
Ouvir a base social, além disso, é respeitar a democracia; e ajuda o governo a
melhorar sua gestão.
Foi uma excelente notícia, por isso mesmo, que Dilma
tenha recebido, ontem,
Frei Beto e Leonardo Boff, e declarado que haverá “um diálogo permanente,
orgânico, contínuo, com os movimentos sociais e com a sociedade em geral”.
Sem esse diálogo, o governo apenas ouve a sociedade através da grande mídia,
e por isso ouve mal, ouve errado e ouve mentiras.
Outra frase de Dilma serve de lição à militância, de que deve permanecer sempre
crítica e rebelde: “Eu prefiro escutar críticas, do que apenas escutar as coisas
boas que eu faço. Porque aí eu aprendo”.
Não se ajudará o governo com elogios.
O governo não é perfeito. Dilma não é perfeita. Ambos tem defeitos, vícios e
limitações. Seguramente irão errar muito nos próximos quatro anos.
É importante que todos os setores, em especial as correntes progressistas, que
apoiaram a eleição da presidenta, expressem suas críticas, com franqueza, para
que as correções de rumo sejam feitas para o lado certo, para o lado do povo.
*No post anterior, alguns leitores – em especial a ala coxinha – protestaram contra
o gráfico abaixo, dizendo que ele estava distorcido. Não estava. Está
rigorosamente correto. Vou repeti-lo.
A escala está muito bem explicitada no eixo da esquerda.
O objetivo de um gráfico como esse é dar destaque à variação. É assim que se
faz gráfico, em toda a parte, em todo mundo. A Bovespa, por exemplo, publica
seus gráficos com a variação diária do índice Ibovespa da mesma forma. O de
ontem:
Observem que a escala tem início no 54.977, de maneira que a variação de 56.077
pontos para 54.977 dá a impressão de uma montanha russa. Se o gráfico
iniciasse no zero, a noção visual da mudança seria prejudicada.
A crítica que fazemos aos gráficos da Globo é quando estes violam a escala.
Ou seja, seria distorção se a coluna referente aos 51 bilhões parecesse menor
que a de 49. Por incrível que pareça, é isso que a Globo tem feito.
O gráfico que eu publiquei mostra que os investimentos estrangeiros diretos no
Brasil permanecem elevados.
São investimentos em produção, de longo prazo.
O mundo acredita no Brasil e os temores apocalípticos promovidos pela mídia são
puramente especulativos.