domingo, 31 de agosto de 2014

Vem aí um novo Collor?

Vem aí um novo Collor?

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Dois textos instigantes. Autênticas reflexões da blogosfera escritas no calor das bombas explodindo lá fora. Irei comentá-los em breve.
*
Publicado no Viomundo.
Luís Nassif: O que gerou a onda de enorme risco para o Brasil
publicado em 27 de agosto de 2014 às 11:27
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por Luís Nassif, em seu blog
No Twitter, Xico Graziano vibrava com as notícias do IBOPE sobre a explosão da candidatura Marina Silva, apesar de poder ser a pá de cal na candidatura do seu partido. Não se trata de um twiteiro convencional, mas do homem de confiança de Fernando Henrique Cardoso, que chegou a ser cogitado para comandar a campanha de Aécio Neves nas redes sociais.
Seu entusiasmo é uma demonstração eloquente da falta de substância no discurso oposicionista. Nesses doze anos, limitaram-se a brandir um anacrônico “delenda PT” em vez de buscar o discurso novo.
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Nem se pense que do lado do PT houve alguma inovação.
As manifestações de junho de 2013 poderiam ter sido um presente para o partido e para Dilma. Com mais de um ano de antecedência, vinha o aviso das ruas: o povo já tem pão, já tem escola, já tem luz; falta participação.
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Sabia-se que, fechado o ciclo de inclusão – promovido pelas políticas sociais de Lula e Dilma – apareceria em cena um novo cidadão, mais exigente em relação aos serviços públicos, mais consciente em relação aos seus próprios direitos, mais cético em relação às instituições convencionais da democracia representativa.
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A onda Marina Silva é a comprovação maior de como os partidos – tanto o PT quanto o PSDB – afastaram-se dos intelectuais e do sentimento das ruas.
Hoje em dia, é comum ouvir de líderes partidários críticas a Dilma, por não ter interpretado devidamente o sentimento das ruas. Mas o próprio PT tratou a insatisfação popular como uma tentativa de golpe ou da direita ou de grupos de extrema esquerda. Quem ousasse dar legitimidade à insatisfação das ruas era execrado. Julgaram que o novo cidadão ainda levaria alguns anos para emergir. Não tiveram o menor sentimento de urgência.
Aliás, não conseguiram sequer divulgar – até agora – avanços inegáveis que aconteceram em diversas políticas públicas.
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Do lado do PSDB, nem se diga. Desde Mário Covas o partido perdeu totalmente o sentimento de povo. As manifestações de junho mereceram apenas algumas análises óbvias de FHC e nenhuma forma de ação.
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Com essa insensibilidade ampla, a bandeira do aprofundamento democrático e da democracia digital ficou exclusiva de Marina Silva – fortalecida pela demonização da política patrocinada esses anos todos pelos grupos de mídia.
Um eventual governo Marina Silva é um enorme risco para o país. Analistas já comparam a Jânio Quadros e Fernando Collor – pelo isolamento, pela falta de estrutura partidária, pela ausência de jogo de cintura para tratar com os políticos e pela falta de um projeto mais amplo de país.
Dilma e Aécio representam propostas de política econômica claras e conhecidas. Já Marina é cercada por grupos absolutamente heterogêneos, onde despontam desde “operadores” de mercado (no pior sentido), como André Lara Rezende, a um certo empresariado industrial paulista mais moderno, os nacionalistas do PSB, e ONGs do setor privado, de boa reputação. Juntos, não formam um projeto.
Mais que isso, sobre essa orquestra disforme paira a personalidade de Marina.
É imensamente mais teimosa e menos preparada que Dilma. Tem muito menos habilidade política e capacidade de escolha de equipe que Aécio.
O crescimento de sua candidatura não se trata de um fogo fátuo, como tantos outros da história recente do país. Que a onda irá refluir, não se tenha dúvida. Não se sabe apenas se refluirá antes de terminadas as eleições.
Mas sua eleição é inegavelmente uma aposta de altíssimo risco.
PS do Viomundo: Sem tirar, nem por uma palavra. Quanto a 2013, foi o que me levou inclusive a perder amigos: tentem entender, não criminalizar, eu insistia. Acusado no Facebook de demonizar Marina como foi feito com Lula, em 2002, respondi: “Em 2002 o Lula tinha três eleições nas costas, um partido político sólido, que havia ajudado a criar, apoio de setores importantes da igreja, de uma central sindical e de um sem número de movimentos sociais. Tinha uma sólida base social no operariado de um dos setores industriais mais modernos do Brasil, no ABC paulista. Não me lembro dele ter herdado a vaga de candidato ao Planalto de um recém-falecido, nem de concorrer por uma legenda da qual pretendia sair. Não duvido da honestidade de Marina Silva, talvez até votasse nela em outras circunstâncias, mas nas de hoje, sinceramente, é uma aventura provocada pela desconexão entre as instituições e as ruas.
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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

MARINA, O XALE, O RELHO E O LOMBO


MARINA, O XALE, O RELHO E O LOMBO




Ao contrário do economicismo adotado até aqui, é preciso explicitar a essência do conflito político radicalizado pela elite brasileira no processo eleitoral.
por: Saul Leblon 



Imagine o seguinte roteiro espetado nas entranhas de uma agremiação política de esquerda:

Um jatinho carregando um candidato a Presidente da República e mais seis pessoas espatifa-se em Santos no dia 13 de agosto.

Todos os seus ocupantes morrem.

A caixa preta do avião está muda.

Uma outra caixa preta, porém, passa a emitir sinais intrigantes no curso das investigações.

A aeronave, descobre a Polícia Federal, não tem dono conhecido. Sua documentação é ilegal.

O partido do candidato morto não contabilizou o seu uso na prestação de contas ao TSE.

AF Andrade – empresa que aparece como última proprietária no registro da Anac, tirou o corpo fora.

Afirma que já havia repassado o avião a outro empresário, que o emprestou para um outro, ligado à campanha do presidenciável morto.

Um labirinto típico das rotas do dinheiro frio desenha-se então nas provas de um suposto leasing do avião, envolvendo pagamentos feitos por laranjas que vão de uma peixaria de Recife a escritórios localizados em lugar nenhum…

Entre as poucas pistas sabe-se que a autorização de uso na campanha teria sido feita pelo empresário João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho e o empreendedor Apolo Santana Vieira.

Vieira responde a processo criminal por sonegação fiscal na importação fraudulenta de pneus pelo Porto de Suape, que fica no estado de origem do candidato morto no acidente.

A fraude gerou prejuízo de R$ 100 milhões aos cofres públicos de Pernambuco, de acordo com os autos da Justiça Federal.

Na verdade, segundo PF, duas aeronaves usadas pela candidatura agora liderada pela ex-senadora Marina Silva foram arrendadas pela mesma Bandeirantes Pneus, de Pernambuco, de propriedade do mesmo Vieira, incriminado no mesmo processo milionário de sonegação.

O valor do jatinho equivale a uma taxa de 20% sobre o total da fraude de que Vieira é acusado.

Em sua defesa, o empresário alega que apenas manifestou interesse na compra do avião, mas a operação de transferência não chegou a ser efetivada. E devolve a bola ao ponto inicial do labirinto: a empresa AF Andrade – que aparece como proprietária no registro da Anac…

Repita-se: imagine esse roteiro espetado nas entranhas de uma agremiação política de esquerda. Ademais dos registros incontornáveis, que tem sido feitos, reconheça-se, que tipo de campanha ensejaria nas fileiras dos savonarolas da mídia, do colunismo da indignação seletiva e das togas justiceiras?

Estamos no campo da ‘nova política’, porém.

E isso altera de forma significativa as fronteiras da tolerância ética.

Se ainda restava alguma dúvida sobre o que significa esse termo ela foi dissipada no debate da Bandeirantes desta 3ª feira pela sua expressão auto- nomeada, Marina Silva, que fez uma empolgada defesa da ‘elite brasileira’.

Ademais dos elogios à progenitora programática, Neca do Itaú, a candidata do PSB creditou ao dono da Natura, o milionário Guilherme Leal, outro esteio da ‘nova política’, um epíteto sonoro: ‘uma pessoa que dedicou a vida ao desenvolvimento sustentável’.

É mais ou menos como dizer que o bilionário Warren Buffet –que agora investe na interação entre Burguer Kings e a rede canadense de rosquinhas Tim Hortons– faz parte da elite humanitária, por dedicar a vida à luta contra a fome.

Marina é o PSDB de xale.

E nisso reside o seu potencial; ao mesmo tempo, a sua vulnerabilidade.

O xale enlaça o desejo justo e difuso por ‘mudança’.

Há quem acredite, sinceramente, que uma candidatura que tem como formuladores os hiperneoliberais Eduardo Gianetti e Andre Lara Resende, personificará algo inédito na política brasileira.

Marina é o pleonasmo do PSDB.

Graças ao xale, porém, teria abriu uma vantagem de 10 pontos sobre o candidato tucano Aécio Neves, segundo o Ibope.

E num segundo turno contra Dilma, aventa o instituto, Marina e o xale venceriam, cavalgando um crescimento de 16 pontos, contra apenas dois da atual Presidenta.

A aposta do Ibope é ousada: ‘contra Dilma, todos querem Marina’.

A campanha curta, reconheça-se, favorece o engodo mudancista do qual ela se declara portadora.

O instinto omnívoro do conservadorismo faz o resto: ‘tudo menos o PT’, exalta a mídia.

Por que não, entoam os endinheirados batendo na mesa, se debaixo do xale existe alguém disposto a entregar o Estado a quem sabe das coisas?

Os centuriões da república do dinheiro, gabaritados a desencadear a plena restauração do neoliberalismo na economia e na sociedade brasileira.

Não é uma frase carimbo.

É a síntese do que defende aquela que se avoca a sentinela avançada do ‘novo’.

‘Contra tudo o que está aí’.

Reiterado de moto próprio ou através de porta-vozes desde a largada de sua candidatura no ano passado.

Por exemplo:

‘(…) a ex-senadora Marina Silva (PSB) defendeu o retorno à austeridade fiscal, empenho no combate à inflação e a adoção de uma agenda para simplificar a economia em apresentação a clientes do banco CreditSuisse na sexta-feira. (…) A ex-senadora defendeu a volta do tripé macroeconômico baseado na adoção de metas de inflação, câmbio flutuante e política fiscal geradora de superávits primários. Conforme relato de investidores que estiveram no encontro, ela disse que o tripé “ficou comprometido e é preciso restaurá-lo (…) Marina afirmou discordar do expansionismo fiscal adotado pelo governo e defendeu que o país volte a gerar superávits primários “expressivos, sem manobras contábeis” (…) o câmbio deve voltar a flutuar livremente, sem tantas intervenções do Banco Central (…) na avaliação dela, o combate à inflação foi relegado pelo governo. Para recuperar a credibilidade, afirmou, é preciso dar ao mercado sinais (NR: juros) claros, “quase teatrais”, de que a inflação será levada ao centro da meta’.

O evento assim relatado pelo jornal Valor Econômico, em 14/10/2013, foi bisado na forma e no conteúdo nesta 3ª feira (26/08/2010), segundo a Folha de SP, que descreve um novo encontro a portas fechadas entre emissários de Marina –Walter Feldman, Bazileu Margarido e Álvaro de Souza (Ex-presidente do Citibank) , e investidores nacionais e estrangeiros.

Neca do Itaú garantiu a sede do seu banco para a realização do bate-papo.

Enquanto a turma hard diz a que veio a ‘nova política’, a candidata light distrai quem de fato pode lhe dar votos para implementa-la.

Aqui entra sua especialidade.

Na mesma edição de 14/10/2013, o jornal Valor trazia uma ‘esclarecedora’ entrevista, na qual Marina Silva extravasa essa cosmologia escalafobética.

Vale a pena ler de novo:

Valor: Há alguma contradição entre sustentabilidade e o ideário econômico que a senhora defende?

Marina: Não há contradição (…) Nosso desafio, nesse início de século, é integrar economia e ecologia em uma mesma equação.

Valor: Como se faz isso?

Marina: (…) vamos ter que “ressignificar” a experiência econômica, social e cultural que temos, a partir delas mesmas. É uma espécie de mutação.

Valor: Mutação?

Marina: Sustentabilidade é uma visão de mundo, um ideal de vida. Esse ideal vai se realizar na forma de novos projetos identificatórios (…)

Baixa o xale, rápido.

Uma narrativa suficientemente etérea para ‘ ressignificar’ tudo e não mudar nada. E nessa complacente sanfona incluir desde justas aspirações por novas formas de viver e produzir , a alianças com Bornhausens e assemelhados, em contraste gritante com a pureza esvoaçante do invólucro entrelaçado com fibras da floresta amazônica.

O simulacro envolve riscos tão evidentes ao país quanto aqueles inerentes à vitória do caçador de marajás, em 1989. Que só foi possível graças a uma determinação cega das elites e de seu braço midiático de correr qualquer risco para dissociar o PT do poder.

A determinação é a mesma 25 anos depois.

Com um agravante: a candidatura Marina aguça apetites há muito reprimidos.

Vivemos dias extraordinários.

As ferramentas da rotina eleitoral não servem mais.

Ao contrário do economicismo adotado até aqui, é preciso explicitar a essência do conflito político radicalizado pela elite brasileira, contra a construção de uma democracia social no país.

Nele, o xale de Marina Silva cumpre o papel do velho pelego: afaga o lombo contra o qual o dinheiro quer estalar o relho de um ajuste implacável.

Feito de muita fé. Mas sem piedade.

sábado, 23 de agosto de 2014

Lula: direto na jugular da mídia

Até onde o PT pode ir ao denunciar parcialidade da mídia?

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A campanha eleitoral à Presidência em 2014 vem exibindo marcantes diferenças de todas as campanhas que ocorreram no país desde 1994, quando PT e PSDB passaram a se enfrentar diretamente naquela e em todas as eleições subsequentes.
Algumas dessas diferenças são mais visíveis e óbvias. Pela primeira vez após 5 eleições polarizadas entre tucanos e petistas, a disputa em segundo turno, se houver, pode não ocorrer entre PT e PSDB, só que em prejuízo deste último e em benefício do PSB.
Ao longo dos últimos dias, espalharam-se boatos de que Marina Silva abriu larga vantagem sobre Aécio Neves. Esses boatos afirmam que tracking encomendado pelo PSDB revelaria a virtual desidratação da candidatura tucana.
Tracking, para quem não sabe, tem como objetivo medir diariamente informações assimiladas pelo eleitor. Assim, a divulgação das sondagens diárias (em geral, por telefone) possibilita aos leitores identificar com antecedência a tendência evolutiva das pesquisas.
Oriunda do inglês, a palavra tracking significa rastreamento, trilha ou caminho.
Pois bem: o tracking dos partidos estaria mostrando que Marina, agora, teria até 10 pontos de vantagem sobre Aécio. Mas não é só isso. Essas sondagens mostrariam que ela também já teria ultrapassado Dilma no segundo turno, em consonância com recente pesquisa Datafolha.
O PSDB e o PT parecem não saber como lidar com a influência eleitoral macabra que a morte de Eduardo Campos está exercendo sobre o eleitorado. Quem vai bater primeiro em Marina?
Os dois partidos que dividem entre si as disputas pela Presidência desde 1994 temem atacar Marina, mas sabem que, se não se contrapuserem logo a ela, os efeitos advindos da comoção pela morte de Campos podem cristalizar sua vantagem eleitoral.
Apesar de Marina representar risco real de derrota para Dilma no segundo turno – risco que o fraquíssimo Aécio não representaria devido ao seu gigantesco telhado de vidro e à sua imagem de playboy irresponsável –, o PSDB, ainda que nesse eventual segundo turno se alie à candidata do PSB, sofreria um baque que talvez lhe pudesse ser fatal.
A representação dos partidos no Congresso será definida no primeiro turno e se Aécio ficar em terceiro lugar a bancada tucana sofrerá forte redução após 12 anos minguando eleição após eleição – isso sem falar do DEM, que pode, inclusive, sumir ao longo da próxima legislatura.
O PT, por sua vez, tende a eleger número igual ou maior de deputados que em 2010 e o PSB pode continuar sendo o partido que mais tem crescido no país, eleição após eleição. Mas, desta vez, pode crescer muito mais.
A mídia já começa a se arrepender de ter inflado tanto a bola de Marina. Neste sábado (23), por exemplo, Veja e Estadão batem nela. Reinaldo Azevedo, porta-voz oficioso do PSDB, já tinha começado a bater em Marina durante a semana.
A mídia inflou Marina após a morte de Campos pensando apenas em gerar um segundo turno entre Dilma e Aécio. Colunistas tucanos como Elio Gaspari haviam previsto que Marina tiraria votos de Dilma por ambas serem “de esquerda”.
Este Blog já dizia que era uma aposta errada. Em primeiro lugar, quem se manteve firme no voto a Dilma apesar da artilharia midiática impressionante que a tem fustigado, não muda mais de opinião. E, além disso, de esquerda Marina não tem mais nada.
A campanha marinista é coordenada pela virtual dona do banco Itau; o economista que faz a cabeça dela é tão ou mais neoliberal quanto o aecista Armínio Fraga. Eduardo Giannetti é um economista daqueles que cultuam o Deus mercado e que vendem a tese de primeiro fazer o bolo crescer para depois dividi-lo, ou seja, que os ricos devem ser priorizados e quando ficarem suficientemente ricos aí dividem tudo com os pobres…
Na verdade, há quem acredite que um governo Marina seria mais neoliberal que um governo tucano.
A sintonia ideológica entre Marina e Aécio, portanto, é grande. Tão grande que o tucano já anuncia, em off, que irá apoiá-la se ela passar para o segundo turno com Dilma.
No xadrez da política, o acaso deu a Marina uma situação ímpar: ela cresce devido à comoção póstuma do eleitorado e, por conta dessa mesma comoção, atacá-la, mesmo que apenas politicamente, pode chocar esse eleitorado.
O PSDB não tem muito que fazer. Se atacar Marina para recuperar o segundo lugar, além de poder vir a ser inútil ainda impedirá os tucanos de apoiarem-na no segundo turno – ela mesma, dependendo do nível dos ataques, poderia recusar esse apoio.
O PT não tem tantos problemas com Marina. Ao menos no primeiro turno. Seu principal problema é a intensidade dos ataques da mídia. Sobretudo do Jornal Nacional. Na sexta-feira, o telejornal inventou desemprego no Brasil justamente no momento em que temos a mais baixa taxa de desocupação da história.
A tese do JN é ridícula: o desemprego estaria baixo porque as pessoas não procuram mais emprego, como se tivesse havido algum aumento exponencial do contingente de pessoas que não procuram trabalho.
A verdade é que o Brasil está gerando menos empregos não só pelo nível mais modesto de atividade econômica, mas, também, porque o nível de emprego está muito alto – é mais fácil criar muitos empregos quando o desemprego é grande, mas quando está muito baixo fica mais difícil.
Em relação aos que não procuram emprego, Globos, Folhas, Vejas e Estadões debitam o fenômeno a “desalento” de quem procura e não acha, o que é uma piada porque ainda persiste o fenômeno de empresas que precisam de empregados não estarem encontrando.
A verdade é que o aumento da renda ao longo dos anos recentes permite hoje a mulheres e jovens dedicarem-se, respectivamente, às tarefas domésticas e aos estudos. Simples assim.
Contudo, como a mídia – sobretudo o poderoso Jornal Nacional – vem se dedicando a metralhar Dilma sem parar, finalmente o Brasil está vendo uma reação do PT em uma campanha eleitoral na tevê.
Na última quarta-feira, Lula apareceu na televisão e no rádio fazendo a primeira crítica à mídia em um programa eleitoral desde a eleição presidencial de 1998. Em 2002, 2006 e 2010, o PT passou aquelas campanhas apanhando da mídia sem acusá-la.
A iniciativa de Lula de atacar “certa imprensa” na tevê mostra que, no comando da campanha de Dilma, venceu a tese do enfrentamento da mídia. Ao menos por enquanto. Dizer que essa tese venceu, aliás, deve-se ao fato de que o comando da campanha petista está dividido entre reagir e não reagir.
Nesse aspecto, vale refletir sobre até que ponto a campanha de Dilma vai reagir ao bombardeio da mídia. Hoje, Aécio e Marina têm sobretudo o Jornal Nacional, que tenta convencer o país de que ele está afundando.
Em 2006 e 2010, não funcionou. Mas talvez porque o ritmo da economia estivesse muito forte e porque a mídia optara por combater o PT dando maior peso a “denúncias de corrupção” contra petistas. Agora, com parcela muito maior do eleitorado acreditando na mídia, deixá-la vender a tese do desastre econômico iminente seria verdadeiro suicídio eleitoral.
Por isso Lula atacou a mídia no programa de Dilma de quarta-feira (21).
Mas até onde a campanha de Dilma irá na denunciação do partidarismo midiático? Lula fez um ataque pontual ou o primeiro de muitos?
A mídia não reagiu ao ataque de Lula; fingiu-se de distraída. Os colunistas de sempre não revidaram. Notinhas escondidas nos jornais limitaram-se apenas a registrar a primeira acusação à mídia em horário eleitoral em mais de 15 anos.
O Blog apurou que a mídia optou por não reagir a Lula para não lhe dar publicidade, pois a audiência do horário eleitoral ainda é pequena e uma acusação dessas, vertida por alguém com a credibilidade e a popularidade ainda muito fortes de Lula, pode ter efeitos imprevisíveis.
A edição de sexta-feira do Jornal Nacional inventando desemprego justamente quando o nível emprego no país está em seu patamar mais alto revela, antes de tudo, que a mídia está disposta a tudo. Se comete a vilania de dizer que o desemprego cresce justamente quando ele está tão baixo, o que mais pode vir por aí?
A opinião desta página é a de que a mídia irá aumentar o terrorismo econômico, combinando essa estratégia com as velhas denúncias de “corrupção”.
Ao PT, à campanha de Dilma, a Lula – inclusive como cidadão – não restará outra alternativa que não a de reagir à mídia. Mas até onde eles podem ir?
Se quiserem reagir, os petistas têm um arsenal considerável de elementos para provar que a mídia atua em favor da oposição.
Racionamento de energia que nunca ocorreu ou o “manchetômetro” da Uerj (estudo de divisão da universidade que mostra que a mídia critica Dilma de forma obsessiva e desigual) seriam instrumentos poderosos para convencer o eleitorado.
Mas a campanha de Dilma pode ir mais longe. Por exemplo, poderia explicar ao eleitorado que uma empresa como a Globo seria ilegal nos Estados Unidos, no Canadá, na França, na Inglaterra, na Alemanha, enfim, em qualquer país desenvolvido.
Os brasileiros não sabem que no Primeiro Mundo não se permite que grandes grupos de mídia concentrem propriedade de todas as plataformas – tevê aberta e a cabo, rádio, internet, imprensa escrita, telefonia etc. Nos EUA, aliás, há limite para audiência que uma tevê ou rádio podem ter.
Sim, é isso mesmo, a potência “marxista” do Norte obriga o dono de uma tevê a vender parte do negócio caso sua audiência ultrapasse um certo patamar. Tudo em benefício da pluralidade na imprensa.
A campanha eleitoral é curta. O PT e a própria Dilma – que, em tese, é quem dá a palavra final sobre a própria campanha – não têm muito tempo para pensar.
Tudo dependerá das próximas pesquisas. Se, além de ultrapassar consistentemente Aécio, Marina ultrapassar consistentemente Dilma em simulações de segundo turno, a campanha dilmista irá para cima da mídia muito antes de ir para cima da adversária de fato.
Até aqui, Lula deu só um aviso. Como seu ataque à mídia foi discreto, ela fingiu que não viu.
O ataque do ex-presidente à mídia e a reação passiva dela, porém, sugerem dois fatos. O primeiro é que o PT está muito preocupado com o avanço de Marina, e o segundo é que a mídia teme se tornar personagem da disputa eleitoral.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Há tempos que Jabor é golpista.

O nazilacerdismo de Arnaldo Jabor

Ontem o dia começou difícil por causa do veneno injetado por Arnaldo Jabor no debate público. Rasgando fantasias democráticas, ele faz um discurso abertamente golpista, com uma defesa enfática da violência política.
Ele diz que não se trata de uma eleição comum, mas de um embate entre democratas e não-democratas.
Igualzinho ao que falavam os golpistas de 64. Alguém deveria lembrar a Jabor que a empresa para a qual ele trabalha pediu desculpas por apoiar o golpe de 64.
Ora, pediu desculpas e, no ano em que se completam cinquenta anos do golpe, volta a criminalizar a política exatamente como fez em 1964?
Há tempos que Jabor é golpista. Afinal, esta é a característica política mais profunda, arraigada e orgânica da Globo, e ele é âncora do Jornal da Globo, comentarista da CBN e colunista “mondo cane” do Segundo Caderno.
Jabor é o porta-voz da Globo, assim como Reinaldo Azevedo é da Veja.
Dois black blocs da direita. Com todo o respeito aos black blocs, que são cordeirinhos perto dessas raposas.
O caso de Jabor, no entanto, me parece o mais grave, o mais patológico.
O seu artigo de hoje é um caso psiquiátrico de imaturidade própria de bilionários golpistas de terceiro mundo.
Jabor quer reviver o lacerdismo, mas lhe falta a autenticidade de Carlos Lacerda, que nunca negou a política.
Lacerda filiou-se a um partido, disputou eleição e depois cometeu o erro, trágico para ele mesmo, de apoiar o golpe de 64.
Recentemente, em entrevista para o programa de Nassif na TV Brasil, o professor Wanderley Guilherme falou um pouco sobre Lacerda. Observou que o jornalista e político não era movido por ódio. O lacerdismo original tinha paixão, não ódio. Lacerda não era apenas um clown de segundo caderno. Foi governador, construiu escolas, fez túneis, articulava-se politicamente. Tinha seu próprio jornal.
Não era lacaio de nenhum barão da mídia.
Seu erro foi mergulhar de cabeça na onda de fascismo midiático que se alevantou. Dava entrevistas nas quais falava todo o tipo de mentira e grosserias contra o governo João Goulart. Lembro de uma, que li num microfilme da Biblioteca Nacional, em que Lacerda afirma que Goulart preparava um golpe bolchevique em 15 dias. Loucura total. O governo Goulart não preparava nenhum golpe, quanto mais um golpe comunista.
A violência que assistimos hoje de setores midiáticos contra Dilma é a mesma que havia contra Vargas e Jango.
Jabor não disfarça o seu golpismo. Ele compara o PT a Jango e emula o discurso golpista de 1963 e 1964.
Fala de Vargas e Brizola, e diz que não precisamos de varguismo e brizolismo.
Precisamos de quê? De Margareth Tatcher? De Ronald Reagan?
O que precisamos hoje é exatamente Vargas e Brizola. Grandes lideranças políticas, preocupados com o povo e que viveram, no inverno de suas vidas, experiências democráticas vitoriosas para o conjunto dos trabalhadores.
Ele fala em “desastre econômico”, o que nos faz voltar à guerra da informação.
Ora, não há desastre econômico nenhum.
O governo FHC, que Jabor louva tanto, entregou um país quebrado à Lula. A dívida externa parecia impagável. O desemprego galopava. A inflação estava várias vezes maior que agora. Éramos um país que devia ao FMI, ao Banco Mundial, ao mundo inteiro, e hoje nós temos reservas de quase 400 bilhões de dólares e articulamos a criação de um banco internacional, o banco dos Brics, que é maior que o BIRD e o Banco Mundial.
O desemprego é o mais baixo da história. Os salários, os mais altos.
Nunca houve tal quantidade de obras de infra-estrutura.
Que raio de desastre econômico é esse?
A mídia cria um Brasil paralelo, irreal, onde só acontece o que ela quer nos fazer acreditar que acontece.
Eu moro numa rua centenária e decadente do centro do Rio. Até pouco tempo, mesmo sendo otimista em relação ao Brasil, não botava muita fé nos destinos dessa parte do centro.
De um ano para cá, todavia, iniciou-se a construção de seis hotéis na minha rua. Seis hotéis! Com empresas boas, do ramo. O projeto mais próximo do meu prédio é um Íbis.
Considerando o quarteirão, são dezenas de obras, um barulho infernal que inferniza minhas manhãs outrora tranquilas.
Essa é a “crise que vivemos”.
Saí para dar uma caminhada hoje, e não parava de ouvir barulho de obras. O bairro inteiro está se transformando rapidamente.
De uns anos para cá, surgiram dezenas, centenas, de novas academias de ginástica no bairro, salões de beleza, praticamente todos os bares reformaram suas instalações, ou foram comprados por novos investidores.
Os anúncios de emprego nas paredes dos bares hoje é comum, e às vezes permanecem lá por semanas.
Ontem o Ministério do Trabalho divulgou o resultado do emprego formal até 2013. Confirmamos a teoria de que a geração de empregos novos começa a cair a partir de 2010, junto com a taxa de desemprego, pela razão óbvia de que, com menos desemprego, há menos mão-de-obra ociosa para gerar saldo de vagas.
Mesmo assim, houve um aumento em 2013 sobre o ano anterior, o que reflete a entrada de gente no mercado de trabalho que já tinha desistido de procurar emprego.
gráficoRAIS2013apresentação

A mídia quer apenas fazer sensacionalismo com os problemas da saúde, mas não mostra os avanços na área. Não há programas médicos respeitáveis em nossa mídia, apesar de que, atualmente, a informação é fundamental para se prever inúmeras doenças. O Ministério da Saúde, e as secretárias estaduais, apenas conseguem veicular propagandas essenciais pagando preços cheios das tabelas de publicidade.
Na entrevista de Dilma no Jornal Nacional, o ponto que eu mais gostei foi quando ela fala de saúde pública. Num momento de interrupção de sua fala por Bonner, a Dilma lembra do sistema público de ambulância, o Samu, implantado nacionalmente pelo governo federal, ainda na gestão Lula.
Dilma mencionou o Samu atropeladamente, porque os entrevistadores não a deixavam falar. Ela conseguiu falar, porém, do Mais Médicos. Poderia ter falado também do Brasil Sorridente.
Na minutagem, registrou-se que Bonner ocupou mais de 40% do tempo da entrevista, interrompendo e atacando a presidenta.
Ele e Poeta foram grosseiros com todos os candidatos. Mas com Dilma, a postura foi de ódio deliberado, explícito.
A primeira pergunta foi uma tentativa de explorar a principal vitória da mídia contra o PT: o mensalão, um problema menor de caixa 2 que foi ampliado para se tornar um grande caso de corrupção.
O maior do Brasil? O maior da história da república?
O julgamento do mensalão foi um golpe da mídia.
Não interessa se os juízes foram nomeados pelo PT. Eles se venderam à mídia. Ayres Brito é um caso emblemático. Dias depois de sair da presidência do STF, assinou prefácio do livro de Merval Pereira, o colunista mais engajado na farsa que foi a Ação Penal 470. Em seguida, obteve uma sinecura no instituto Innovare, que pertence à Globo.
Sobre Joaquim Barbosa, sem comentários. Melhor virar essa página.
O mensalão foi uma jogada genial da mídia, porque gerou um tensionamento que radicalizou o debate. Os partidos envolvidos foram emparedados pelo moralismo midiático, pela lógica de linchamento, pelo sensacionalismo fascista.
A mídia promoveu uma injustiça e agora tenta faturar com as manifestações de protesto contra as arbitrariedades cometidas.
Mas Dilma se saiu bem, ao se eximir de fazer qualquer comentário, pois qualquer coisa que dissesse seria usada contra ela.
“Tenho minhas próprias opiniões, mas enquanto for presidente, não falarei nada”, defendeu-se.
À presidenta cabe evitar conflito entre Executivo e Judiciário.
A agressividade quase descontrolada dos entrevistadores soou risível. Não é a primeira vez que Bonner age como cão raivoso diante de Dilma Rousseff.
Dilma cresce sempre que é atacada diretamente.
A raiva hidrófoba de Bonner é a mesma que vemos em âncoras de extrema-direita de TVs fechadas nos Estados Unidos, que dão suas opiniões na Fox e concorrem a cargos políticos pelo partido republicano. Mas que não entrevistam presidentes.
Sobre os programas que tiveram início hoje, evitarei comentários sobre os de Eduardo Campos e Aécio. Sobre o primeiro, por respeito à tragédia. Sobre o segundo, porque é ruim demais. Se o PSDB ganhar, será com a força da Globo, não com a de seu marketing, pesado, opressivo, apresentando um Aécio esquisitão, olhando o nada. Bem o tipo do qual esperaríamos a implementação de medidas “impopulares”.
O de Dilma reflete um equilíbrio bem mais rico, mais delicado, entre conteúdo e emoção, política e marketing, do que em 2010, provavelmente em virtude de maior atenção da equipe para o debate nas redes sociais.
Entretanto, assistindo todos os programas, dei-me conta de uma coisa. Por que os partidos não tem espaço o ano inteiro nas tvs abertas? Por que as concessões públicas, que recebem bilhões de reais por ano em recursos estatais, não dão espaço para os parlamentos, executivo, judiciário, ministério público, sociedade civil, exporem seus projetos?
É necessário haver oposição, claro, e por isso mesmo cabe lhes outorgar, às forças de oposição, autonomia para criticarem o governo diretamente, sem o intermédio de mídias corrompidas ou ligadas, por laços de família ou comerciais, a ocupantes de cargos políticos.
Aliás, em seu artigo, Jabor fala da aliança do PT com os oligarcas do PMDB nordestino. Hipocrisia pura. Esses oligarcas só têm força porque contam com o apoio da Rede Globo em seus estados. Muitos são donos de canais de TV que repassam o sinal da Vênus.
Um dos políticos mencionados por Jabor, o senador Romério Jucá, líder do governo até 2012, acaba de abrir seu voto: Aécio Neves. Todos os outros representam setores políticos do conservadorismo aliados aos grandes meios de comunicação. Não me espantaria nada se votassem todos em Aécio. A direita brasileira, por medo do fantasma “bolivariano”, sempre se aproxima da Globo e do PSDB.
Ingrato, esse Jabor. São justamente essas figuras que travam qualquer debate sobre a democratização da mídia, e o fazem porque o status quo lhes beneficia. Eles são donos ou amigos dos donos da mídia em seus estados. São o lobby da Globo no Congresso.
O discurso contra o pessimismo de Dilma, por sua vez, só adquirirá um sentido completo se ele se desdobrar numa crítica à falta de um sistema de informação democrático. Só será compreendido plenamente pela população, se for feito em conjunto com uma convocação para que indivíduos e empresas tenham uma visão crítica da mídia, e procurem formar sua opinião a partir de fontes variadas.
Entretanto, já ficou claro, para qualquer analista econômico, que as profecias estão se auto-realizando. O nervosismo eleitoral, a radicalização ideológica natural à polarização, travam decisões de investimento. Momentos de polarização política cobram um preço alto, mas passam.
Também não é difícil prever que, definido o resultado eleitoral, seja qual for, os investimentos privados aumentarão com força, livres da insegurança causada pelo terrorismo político e econômico da mídia.
*f

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

DEUS E O DIABO NA TERRA DA GLOBO

Saul Leblon na Carta Maior escreveu outro imperdivel artigo:

DEUS E O DIABO NA TERRA DA GLOBO




Há 60 anos do suicídio de Vargas, o conservadorismo reedita em farsa a tragédia. Ensaia um simulacro de catarse nacional varguista em torno da morte de Campos.


O conservadorismo brasileiro já viu o poder escorrer pelos dedos algumas vezes. Mas nunca de forma tão abrupta como há 60 anos, quando Getúlio Vargas cometeu o suicídio político mais demolidor da história em 24 de agosto de 1954.

Chocada com a morte de um governante que preferiu renunciar à vida a abdicar do mandato como exigia o cerco virulento das elites, a população foi às ruas em um misto de consternação e fúria para perseguir e escorraçar porta-vozes do golpismo contra o Presidente.

A experiência da tragédia abalou o cimento da resignação cotidiana. No Rio de Janeiro, a multidão elegeu a dedo o seu alvo simbólico: cercou e depredou a sede da rádio Globo que saiu do ar.

Carros de entrega do diário da família Marinho foram caçados, tombados, queimados nas vias públicas. Prédios de outros jornais perfilados no ultimato pela renúncia conheceram a força da ira popular.

Com a mesma manchete do dia anterior, atualizada pela fatalidade, os exemplares do único jornal favorável ao governo, o Última Hora, eram disputados nas esquinas por uma população desesperada, perplexa, em luto.

A tiragem extra de 850 mil exemplares, providenciada a toque de caixa pelo editor Samuel Wainer, sustentou a declaração premonitória de Getúlio 24 horas antes. Agora, porém, revigorada pela mão do editor: “O presidente cumpriu a palavra: ”Só morto sairei do Catete!”.

O resto é sabido.

O sacrifício impôs duro recuo ao golpismo que só executaria seu plano original de tomar o poder dez anos depois, em 1964.

Passados exatos 60 anos da morte de Vargas, o conservadorismo brasileiro reedita agora uma trama ainda mais ousada.

Construir um simulacro de catarse nacional varguista a seu favor, emprestando à justa consternação pela morte de Eduardo Campos uma dimensão histórica que ela não tem.

Assim como a de Tancredo Neves também não teve.

Ambas por uma razão difícil de abstrair: nem um, nem outro personificaram, de fato –e assumidamente– um polo da correlação de forças em disputa pelo comando da sociedade e do desenvolvimento brasileiro.

Vargas, ao contrário, encarnara um divisor real, consagrado nas urnas de outubro de 1950, de forma esmagadora, apesar do asfixiante boicote que lhe foi imposto pela mídia.

Na resposta ao cerco, a campanha de Vargas levaria uma frota de caminhões a cruzar o país munida de caixas de som e filipetas.

Em cada morada do voto fazia-se a ampla distribuição de panfletos. Neles, a promessa revolucionária –para a época– de um Brasil nacionalista e de feição popular.

Quatro milhões de eleitores deram seu voto a esse desassombro; o dobro dos obtidos pelo ‘brigadeiro das elites’, Eduardo Gomes.

Iniciou-se, então, aquilo que passou à historia como o ‘segundo Vargas’, para se diferenciar de seu primeiro ciclo no poder, iniciado com a revolução de 1930, que se estendeu pela ditadura de 37.

O ‘segundo Vargas’ criou o BNDE (sem o ’s’ ainda) em 1952; a Petrobrás em 1953, no auge da campanha ‘o petróleo é nosso’ ,e decretou um aumento de 100% do salário mínimo no 1º de Maio de 1954.

Era uma rota de colisão incontornável.

Ao mesmo tempo em que espetara as estacas necessárias à dimensão industrializante da soberania nacional, com infraestrutura, restrições à mobilidade do capital estrangeiro e expansão do mercado interno, Vargas atraía as espirais de um cerco de interesses que hoje, como ontem e sempre sonegaram legitimidade a um dinâmica de desenvolvimento inclusiva.

Só uma grosseira remodelagem da história poderá atribuir a Eduardo Campo ou a seu avatar feminino idêntica importância histórica.

Nem mesmo com sinal trocado.

Campos, antes e, ao que tudo indica, Marina de agora em diante, transitam num espaço de ambiguidade resultante do fracasso conservador em tornar palatável a restauração neoliberal no país, após 12 anos de governo do PT.

Seu candidato do peito, José Serra, mostrou-se indigesto ao eleitor por duas vezes e, por fim, ao próprio partido. O digerível Aécio Neves antes mesmo do embicar no aeroporto da fazenda do tio Múcio, bateu num teto baixo em torno de 20% dos votos, insuficiente para arrastar Dilma ao 2º turno.

A delicada operação em curso consiste em dar abrangência nacional-varguista à comoção do povo pernambucano pela perda do líder que governou o estado por duas vezes; e de transferir esse sentimento para uma terceira persona, Marina Silva, de modo a injetar competitividade eleitoral em uma quarta, Aécio Neves, e assim provocar uma segunda volta às urnas na base do ‘todos contra Dilma’.

Não surpreende que a ‘providência divina’ seja evocada para costurar esse frankenstein histórico.

Nessa alquimia destinada a produzir um adversário sobre-humano, uma junção de vivos e mortos para derrotar Dilma, caminhamos perigosamente do êxtase para o delírio conservador.

Não é preciso esfalfar neurônios para imaginar quem será o núcleo diretor dessa superprodução destinada a reeditar em farsa a tragédia de 54.

A persistir a ladainha das últimas horas, ingressaremos num degrau grotesco de manipulação da opinião pública para sustentar o que se pretende a partir de um fato gerador que não o comporta.

Glauber Rocha que entendia a força do misticismo na sociedade brasileira sem dúvida trabalhou esses elementos de forma mais complexa do que a encenação grotesca que se anuncia como realidade.

Glauber morreu há 33 anos, em 22 de agosto de 1981. Tinha apenas 42 anos de idade, mas aos 25 já havia realizado Deus e o Diabo na Terra do Sol.

O filme estrearia no Rio de Janeiro três dias depois do lendário comício da Central do Brasil e duas semanas antes do golpe de 64.

‘Deus e o Diabo’ guarda a atualidade de uma metáfora da encruzilhada brasileira, uma sociedade mergulhada em contradições estruturais dilacerantes mas sem força transformadora para efetivar as famosas ‘reformas de base’.

No filme, o vaqueiro Manoel encarna o povo brasileiro, a ‘massa pobre’, diria Glauber. Injustiçado pelo coronel para quem trabalhava,  Manoel depois de mata-lo e ser perseguido engaja-se sucessivamente na procissão desesperada do beato Santo Sebastião e no bando de Lampião.

Mas não encontrará  redenção nessas manifestações primitivas de rebelião, que Glauber valorizava como uma ruptura com o racionalismo bem comportado e inócuo diante da opressiva ordem dominante.

O cinema do premiado diretor de ‘Terra em Transe’, porém, não hesitava também em denunciar os limites dessa chave alternativa,  expondo-a no paradoxo de uma estética aflitiva na qual os personagens parecem presos ao chão enquanto a câmera se move vertiginosamente ao seu redor.

Deus e o diabo se confundem na terra  do sol, parece nos dizer Glauber. A figura dilacerada do jagunço Antônio das Mortes, talvez o personagem matricial da sua saga, dividido entre a consciência social e a obrigação pistoleira, é a síntese dessa tragédia.

Mas nem tudo é ambiguidade. Pelo menos isso o cinema de Glauber, deixou claro em relação ao país: ‘Deus nos deu  a vida;  o Diabo inventou o arame farpado’, dizia .

A farsa em curso nos dias que correm visa justamente embaralhar esse divisor.

Quer  vender  arame farpado como sinônimo de redenção da vida brasileira.

A ver.

As eleições e a mídia

Grande mídia assume papel da 'oposição fragilizada' na eleição

Jornal GGN - "Muitos se esqueceram, outros nem souberam, mas a realidade é que a 'grande imprensa' formulou com clareza um projeto de intervenção na vida política nacional. Não é teoria conspiratória. Quem disse que os 'meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada', foi a Associação Nacional de Jornais, por meio de sua presidenta, uma das principais executivas do Grupo Folha."
A sentença, lembrada por Marcos Coimbra em artigo publicado na CartaCapital, nunca fez tanto sentido. Aliás,na visão do articulista, o faz desde 2012, quando começou a movimentação para impedir que a presidente Dilma Rousseff (PT) seja reeleita. 
Nesse cenário, a grande mídia tem trabalhado mais e melhor do que muitos partidos de oposição. Basta ver os resultados do Machetômetro citados por Coimbra, apontando 93% de noticiário negativo para Dilma no Jornal Nacional, da Rede Globo, onde a presidente estará na noite desta segunda (18).  
As eleições e a mídia

Por Marcos Coimbra
Na CartaCapital
Na próxima terça 19, com o início da propaganda eleitoral na televisão e no rádio, entraremos na etapa final da mais longa eleição de nossa história. Começou em 2011 e nossa vida política gira em torno dela desde então.
A batalha da sucessão de Dilma Rousseff foi iniciada quando cessou o curto período de lua de mel com as oposições, no primeiro ano de governo. Talvez em razão do vexame protagonizado por José Serra na campanha, o antipetismo andava em baixa.
Durou pouco. Na entrada de 2012, o clima político deteriorou-se. As oposições perceberam que, se não fizessem nada, marchariam para nova derrota na eleição deste ano. Ao analisar as pesquisas de avaliação do governo e notar que Dilma batia recordes de popularidade a cada mês, notaram ser elevadas as possibilidades de o PT chegar aos 16 anos no poder. E particularmente odiosa. Serem derrotadas outra vez por Dilma doía mais do que perder para Lula.
Ela era “apenas” uma gestora petista, sem a aura mitológica do ex-presidente. Sua primeira eleição podia ser creditada, quase integralmente, à força do mito. Mas a segunda, se viesse, seria a vitória de uma candidatura “normal”. Quantas outras poderiam se seguir?
A perspectiva era inaceitável para os adversários do PT. Na sociedade, no sistema político e no empresariado, seus expoentes arregaçaram as mangas para evitá-la. A ponta de lança da reação foi a mídia hegemônica, em especial a Rede Globo.
Recordar é viver. Muitos se esqueceram, outros nem souberam, mas a realidade é que a “grande imprensa” formulou com clareza um projeto de intervenção na vida política nacional.
Não é teoria conspiratória. Quem disse que os “meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste País, já que a oposição está profundamente fragilizada”, foi a Associação Nacional de Jornais, por meio de sua presidenta, uma das principais executivas do Grupo Folha. Enunciada em 2010, a frase nunca foi tão verdadeira quanto de 2012 para cá.
Como resultado da atuação da vanguarda midiática oposicionista, estamos há três anos imersos na eleição de 2014. A derrota de Dilma é buscada de todas as formas. O “mensalão”? Joaquim Barbosa? A “festa cívica” do “povo nas ruas”? O “vexame” da Copa do Mundo? A “compra da refinaria”? O “fim do Plano Real”? A “volta da inflação”? O “apagão” na energia? A “crise na economia”? A “desindustrialização”? O “desemprego”?
Nada disso nunca teve verdadeira importância. Tudo foi e continua a ser parte do esforço para diminuir a chance de reeleição da presidenta.
Ou alguém acha que os analistas e comentaristas dessa mídia acreditam, de fato, na cantilena que apregoam quando se vestem de verde-amarelo e se dizem preocupados com a moral pública, os empregos dos trabalhadores ou a renda dos pobres? Ou que queiram fazer “bom jornalismo”?
Temos agora uma ferramenta para elucidar o papel da mídia na eleição. Por iniciativa do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, está no ar o manchetômetro (http://www.manchetometro.com.br), um site que acompanha a cobertura diária da eleição na “grande imprensa”: os jornais Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo, além do Jornal Nacional da Globo (como se percebe, os organizadores do projeto julgaram desnecessário analisar o “jornalismo” do Grupo Abril).
Lá, vê-se que os três principais candidatos a presidente foram objeto, nesses veículos, de 275 reportagens de capa desde o início de 2014. Aécio Neves, de 38, com 19 favoráveis e 19 desfavoráveis. Tamanha neutralidade equidistante cessa com Dilma: ela foi tratada em 210 textos de capa. Do total, 15 são favoráveis e 195 desfavoráveis. Em outras palavras: 93% de abordagens negativas.
É assim que a população brasileira tem sido servida de informações desde quando começou o ano eleitoral. É isso que faz a mídia para exercer o papel autoassumido de ser a “oposição de fato”.
O pior é que a influência dessas empresas ultrapassa o noticiário. Elas contratam as pesquisas eleitorais que desejam e as divulgam quando e como querem. E organizam os debates entre candidatos.
Está mais que na hora de discutir a interferência dessa mídia no processo eleitoral e, por extensão, na democracia brasileira.