terça-feira, 28 de julho de 2015

PRÁTICA FASCISTA

Aos historiadores futuros: dois exemplos da ditadura midiático-judicial

ScreenHunter_6042 Jul. 28 13.27
Quando, no futuro, algum historiador estudar nossa época, esse post lhe ajudará a entender, com dois exemplos, a ditadura midiático-judicial que estamos vivendo.
O primeiro exemplo é a décima sexta etapa da Lava Jato, prendendo Othon Luiz Pinheiro da Silva, um dos pais da energia nuclear no Brasil.
A estratégia é a mesma: prende, depois investiga.
Atira primeiro, depois avisa.
A malta, excitada pela mídia, aplaude furiosamente.
Afinal, não somos o país que mais promove linchamentos no mundo?
Sergio Moro se tornou, como diz o Fernando Brito, em post sobre o assunto, uma espécie de monarca absoluto do sistema judiciário brasileiro.
Blindado pela aura de justiceiro desde que a Globo lhe deu o prêmio Faz Diferença, Moro se autonomeou uma espécie de interventor de todas as obras tocadas no Brasil.
Com uma preferência especial, claro, para obras que a mídia possa ligar, de alguma maneira, ao PT.
A prisão do pai da energia nuclear no Brasil foi, como sempre, determinada sem sentença, provas ou condenação.
Prisão "provisória" ou "preventiva", por motivos de ordem pública.
Nem sei se ele é culpado ou não, o que eu questiono é o seguinte: ele ainda não foi julgado. Ainda não teve oportunidade de se defender. A sua prisão, portanto, é uma decisão puramente arbitrária de Sergio Moro.
Como aliás, todas as suas prisões.
Um jurista, outro dia, denunciou o perigo: como prende antes de julgar, antes de ouvir a defesa, Moro obriga-se a condenar o réu, porque em caso contrário, será acusado de ter sido irresponsável e injusto por ter mandado prender um inocente.
É a armadilha autoimposta do arbítrio.
Prende porque assim o quis, depois condena porque mandou prender.
O segundo exemplo da ditadura midiático-judicial vem descrito na peça de defesa da Odebrecht, que reproduzo abaixo.
Menos mal que a Odebrecht tenha resolvido enfrentar o arbítrio de frente.
A sua defesa corresponde, em verdade, a uma ofensiva política, porque seus advogados já entenderam, corretamente, que a Lava Jato obedece a uma lógica política e midiática, e não jurídica.
Falta só a Odebrecht entender uma última coisa: Sergio Moro é apenas um capacho da mídia.
Então é preciso atacar a origem do mal: o golpismo midiático, que não hesita em patrocinar todo o tipo de conspiração judicial, não importa seus absurdos, suas ilegalidades, seus abusos, em nome de um objetivo maior, derrubar um governo legitimamente eleito.
É o golpismo midiático que, por exemplo, intimida e chantageia juízes dos tribunais superiores, para que eles não interfiram nas intrigas e conspirações patrocinadas por um juiz de primeira instância.
***
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 13ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ
Pedido de Busca e Apreensão Criminal no 5024251-72.2015.4.04.7000
MARCELO BAHIA ODEBRECHT, nos autos do Pedido de Busca e Apreensão em epígrafe, vem, por seus advogados, respeitosamente à presença de Vossa Excelência, em atenção ao r. despacho lançado no Evento 437, expor o quanto segue:
Desde a prisão do peticionário, há mais de um mês, teve início a caça a alguma centelha de prova que pudesse, enfim, legitimar uma segregação baseada no nada.
Depois do emprego deturpado da teoria do domínio do fato, da utilização de uma mensagem eletrônica de quatro anos atrás (que nem foi o paciente quem mandou e que Vossa Excelência mesmo reconheceu que precisa ser mais bem investigada), e da transformação da presunção de inocência e do exercício do direito de defesa em causas de encarceramento, era mesmo de se imaginar que houvesse uma busca por algo que disfarçasse a colossal ilegalidade da custódia de MARCELO.
Polícia e Ministério Público Federal engajaram-se na missão com afinco, e para tanto deixaram a razoabilidade de lado.
O Parquet adotou estratégia tão clara quanto intolerável: tudo que surgisse relacionado a qualquer executivo de empresas do grupo Odebrecht seria, automaticamente, imputado também ao requerente. Por tudo, leia- se tudo mesmo – desde documentos velhos de autenticidade duvidosíssima, engavetados para serem usados a conta-gotas, até uma artificiosa correlação entre telefonemas e depósitos bancários lógica e cronologicamente estapafúrdia, e sempre sem qualquer liame com MARCELO.
A Polícia Federal não ficou atrás. Chegou mesmo a violar o sigilo da comunicação entre o preso e seus advogados, transformando um bilhete com tópicos para a discussão de Habeas Corpus – entregues aos defensores por um agente penitenciário, depois de ter sido a ele passado pelo requerente! – em uma esdrúxula ordem voltada ao cometimento do que seria o mais impossível dos crimes: destruir fisicamente aquela mesma mensagem eletrônica, há muito estampada no relatório policial, no decreto prisional e em dezenas de páginas de internet Brasil afora.
Já em despacho do último dia 21, Vossa Excelência instou a defesa a se pronunciar sobre o novo capítulo da tentativa de coonestar a prisão do peticionário. Dessa feita, a autoridade policial apresentou, em anexo ao Relatório Parcial do Inquérito 5071379-25.2014.4.04.7000, um relatório de análise de notas contidas em telefone celular apreendido na residência do requerente.
Em seu afã de incriminar MARCELO a todo custo, a Polícia Federal nem se deu ao trabalho de tentar esclarecer as anotações com a única pessoa que poderia interpretá-las com propriedade – seu próprio autor. Ao reverso, tomou desejo por realidade e precipitou-se a cravar significados que gostaria que certos termos e siglas tivessem.
E, mais uma vez, transformou as peculiaridades do processo eletrônico em sua aliada na tática de atirar primeiro e perguntar depois. Sabedora de que a livre distribuição de chaves eletrônicas tornou os processos da Lava Jato uma espécie de reality show judiciário, a polícia lançou no mundo as anotações pessoais de MARCELO e as tortas interpretações que deu a elas, e aguardou que fossem quase instantaneamente noticiadas como verdades absolutas.
Houvesse tido a cautela que sua função exige, e a Polícia Federal teria evitado a barbaridade que, conscientemente ou não, acabou por cometer: levou a público segredos comerciais de alta sensibilidade em nada relacionados aos pretensos fatos sob apuração, expôs terceiros sem relação alguma com a investigação e devassou mensagens particulares trocadas entre familiares do peticionário, que logo caíram no gosto de blogs sensacionalistas.
Lamentavelmente, a obstinação investigativa e persecutória de autoridades que atuam na Lava Jato parece ter turvado sua compreensão de que o país não se resume a um caso criminal. Há indivíduos, famílias, empresas, finanças, obras e empregos em jogo – no caso das empresas do grupo Odebrecht, são mais de 160.000! –, que deveriam impor um mínimo de cuidado na análise e divulgação de documentos e informações por parte dos agentes públicos, ao menos até que bem esclarecidos seu conteúdo e eventual pertinência com as apurações.
Com a intimação lançada no Evento 437, a defesa até imaginou que esse MM. Juízo decidira impor alguma ordem às coisas. Não obstante já então houvesse sinalizado que estava tendente a encampar as desatinadas interpretações da autoridade policial, ao menos optara por ouvir previamente a defesa sobre as anotações que, conforme vossas palavras, estavam todas sujeitas a interpretação.
Todavia, a inobservância injustificada da contagem de prazo do processo eletrônico para a defesa se manifestar, bem como a iniciativa de Vossa Excelência – estranha ao sistema acusatório que vigora em nosso país – de dragar documentos de inquérito que estava com vista ao Ministério Público Federal para oferecimento de denúncia já faziam prever o que viria.
Um dia depois de conceder o prazo que se esgota na data de hoje, Vossa Excelência não esperou os esclarecimentos da defesa para decretar de novo a prisão do peticionário, com fundamento exatamente naquelas anotações sujeitas à interpretação!
Escancarado, desse modo, que a busca da verdade não era nem de longe a finalidade da intimação, a defesa não tem motivos para esclarecer palavras cujo pretenso sentido Vossa Excelência já arbitrou.
Inútil falar para quem parece só fazer ouvidos de mercador.
O peticionário deplora, isso sim, o rematado absurdo de se considerar anotações pessoais a si mesmo dirigidas, meras manifestações unilaterais de seu pensamento, como atos efetivamente executados ou ordens de fato passadas. Ainda que o conteúdo dos registros fosse aquele nascido das criativas mentes policiais, rematado absurdo, nada indica que eles de algum modo tiveram repercussão prática, ou seja, que foram de fato implementados ou determinados a terceiros.
De mais a mais, o relatório de análise condensa anotações inseridas no campo “tarefas” do programa Outlook ao longo do tempo, umas em sobreposição a outras, sem qualquer ordem cronológica, muitas delas inclusive com seu conteúdo cortado automaticamente pelo programa por limitações de espaço no campo em que digitadas.
Impressiona, igualmente, a dubiedade do discurso de Vossa Excelência. De um lado, quando intima a defesa, assevera que “tudo está sujeito à interpretação”. De outro, porém, antes mesmo de ouvir explicações, prende novamente quem já está preso dando por certo aquilo tudo que estava sujeito a interpretação!
Isto é: mesmo sem poder assegurar o sentido das anotações, e muito menos se elas surtiram efeito prático, Vossa Excelência não hesitou em empregá-las para o mais drástico propósito.
Ademais, esse ínclito Magistrado acabou por encampar o indecoroso uso que a Polícia Federal fez daquilo que a r. decisão tachou de “o trecho mais perturbador” das anotações.
Nos dizeres do relatório policial, quando o requerente escreveu “dissidentes PF”, ele estaria se referindo à Polícia Federal, e teria “a intenção de usar os ‘dissidentes’ para de alguma forma atrapalhar o andamento das investigações”. E mais: “se levarmos em consideração as matérias (grampos na cela, descoberta de escuta, vazamento de gás, dossiês) veiculadas nos vários meios de comunicação, nos últimos meses, que versam sobre uma possível crise dentro do Departamento de Polícia Federal, poder-se-ia, hipoteticamente, concluir que tal plano já estaria em andamento”.
A perfídia é inominável.
Às voltas com denúncias reportadas por seus próprios integrantes de que membros da Força-Tarefa teriam plantado uma escuta ilegal na cela de presos, e depois tentado acobertar fraudulentamente esse gravíssimo fato, o Delegado de Polícia Federal que assina o relatório do inquérito insinua que por trás disso estaria…o peticionário! E não só desse fato, como também de um “vazamento de gás” nas dependências daquele Departamento!
Ao que parece, quem tem um “plano em andamento” é uma parcela da própria Polícia Federal: expiar seus aparentes pecados à custa de MARCELO, para tanto subvertendo o sentido de palavras e adivinhando o significado de siglas na forma que lhe convém.
Aliás, será que Alberto Youssef, que desfruta de infinita credibilidade perante a Polícia, Ministério Público e esse MM. Juízo Federal, também faz parte do “plano em andamento” levianamente atribuído ao requerente?
Afinal, não custa lembrar que foi o eterno delator quem revelou a existência da escuta em sua cela, e afirmou categoricamente que sabia estar sendo monitorado desde o primeiro dia de prisão pela escuta que a Polícia Federal, até hoje, afirma que se encontrava desativada àquele tempo…
Ora, uma leitura minimamente neutra das anotações selecionadas pelo agente policial que figurou como analista destacaria também as inúmeras passagens que revelam a preocupação do peticionário em esclarecer sociedade e mercado, além de dar guarida a medidas de investigação independente e de apuração interna (Evento 124, Anexo 11, pp. 3, 4 e 8, por exemplo).
Preferiu-se, entretanto, tomar “LJ” por Lava Jato ao invés de Lauro Jardim, e “ações B” como providências do submundo, e não como alusões justamente à nota sobre a auditoria interna da Braskem publicada na mesma coluna:
Economia – Nova postura
Desde que as investigações, grampos, depoimentos de presos e delações premiadas foram envolvendo a Odebrecht na roubalheira da Petrobras, a empresa manteve uma postura imutável: negava tudo em comunicados escritos em tom peremptório, beirando o raivoso. Foram dezenas de textos escritos neste diapasão.
Agora, há algo de novo no ar. A Braskem, sociedade entre a Odebrecht e Petrobras, mandou à CVM um comunicado em que “à luz das alegações de supostos pagamentos indevidos para seu favorecimento em contratos celebrados com a Petrobras “, admite que “deu início a um procedimento de investigação interna”.
Certamente, não por vontade própria, mas por uma obrigação com o mercado de ações – não só brasileiro, pois a Braskem tem também ADRs negociadas na Bolsa de Nova York.
Informou também que contratou “escritórios de advocacia no Brasil e nos EUA com reconhecida experiência em casos similares para conduzir a investigação”. Não disse, porém, que escritórios são esses.
Por Lauro Jardim
Tags: Braskem, Lava-Jato, Odebrecht
Braskem: investigação interna
Enfim, uma vez oferecida a denúncia, e porventura recebida em parte ou na sua integralidade, cumpre respeitar-se daqui em diante o rito do Código de Processo Penal, reservando-se o interrogatório do acusado para o final da instrução.
Esse o contexto, além de lamentar que o empenho em se lhe aplicar pena sem processo tenha chegado a esse ponto, o peticionário requer o imediato desentranhamento dos autos do inquérito policial de informações, notas ou conversas privadas que não possuam relação com o caso, de modo a evitar a indevida exposição de terceiros alheios à apuração.
Requer ainda seja prontamente determinado à Polícia Federal que se abstenha de lançar, neste ou em quaisquer outros autos do sistema e- proc, documentos físicos ou eletrônicos sem prévia definição de pertinência com o objeto dos autos. Na eventual impossibilidade de assim se proceder, de rigor sejam gravados daqui em diante com grau mais elevado de sigilo os documentos carreados para os autos, na medida em que o nível atual de sigilo do processo eletrônico em tela não tem logrado impedir reiterados vazamentos na imprensa.
Termos em que,
Pede deferimento.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Ofensiva da direita tem caráter mundial, “organizada e financiada também a partir do Pentágono”

Leonardo Boff: Ofensiva da direita tem caráter mundial, “organizada e financiada também a partir do Pentágono”

publicado em 12 de julho de 2015 às 15:12
boff
‘Eduardo Cunha é um bandido político’, diz Leonardo Boff
por Marco Weissheimer
A ofensiva conservadora atualmente em curso no Brasil faz parte de um processo mundial de rearticulação da direita e representa um perigo real para a democracia e os direitos. No caso brasileiro, essa rearticulação conservadora também é uma reação das classes dominantes que não se conformam com a centralidade que a agenda social adquiriu nos últimos anos e com a ascensão social de cerca de 40 milhões de pessoas.
Um dos principais expoentes dessa ofensiva, o deputado Eduardo Cunha (Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB – Rio de Janeiro) é um bandido político que não respeita a Constituição e tem como objetivo, no final de seu mandato, propor a instauração do parlamentarismo e virar primeiro-ministro. A avaliação é do teólogo e escritor Leonardo Boff, que esteve em Porto Alegre neste sábado, para ministrar uma aula pública sobre direitos humanos.
Intitulada “Expressões sobre Direitos Humanos: Mais Amor, Mais Democracia”, a aula pública reuniu centenas de pessoas no Parque da Redenção, na tarde fria de sábado. Após a aula, Leonardo Boff conversou com o Sul21, no Hotel Everest, sobre a atual conjuntura política do país e defendeu que, diante da ofensiva conservadora no curso, é preciso travar, em primeiro lugar, uma batalha ideológica sobre que tipo de Brasil queremos: “um Brasil como um agregado subalterno de um projeto imperial, ou um Brasil que tem condições de ter um projeto nacional sustentável próprio. Temos um grande embate a travar em torno dessa ideia. Acho que esse será também o tema central das próximas eleições”, diz Boff.
A seguir, um resumo dos principais momentos da conversa de Leonardo Boff com o Sul21:
Ofensiva conservadora em nível mundial
“Vejo esse quadro com preocupação, pois é um quadro sistêmico. Ocorre também nos Estados Unidos, na Europa, em toda a América Latina. Acabo de vir de um congresso que contou com a presença de representantes das esquerdas de toda a América Latina e todos foram unânimes em dizer que essa etapa das democracias novas, de cunho popular e republicano, que surgiram depois das ditaduras, estão recebendo os impactos dessa ofensiva da direita, organizada e financiada também a partir do Pentágono. Essa direita está se organizando em nível mundial. Isso é perigoso. A história já mostrou que, depois que a direita se organiza, surgem fenômenos de caráter fascista e nazista, surgem regimes autoritários que buscam impor ordem e disciplina”.
“Eu não tenho muito medo no caso do Brasil. Acho que aqui nós conseguimos uma ampla base social de movimentos organizados e um núcleo de pensamento analítico político que resiste vigorosamente, mas enfrenta a resistência da grande mídia que, de forma sistemática sustenta teses conservadoras e reacionárias, em consonância com a estratégia traçada pelo Pentágono em nível mundial. O objetivo central dessa estratégia é: um mundo, um império. Todos têm que se alinhar aos ditames desse império, que não tolera a existência de alguma força capaz de enfrentá-lo. O grande medo dos Estados Unidos é com a China, que está cercada por três grandes porta-aviões, cada um deles com um poder de fogo equivalente ao utilizado em toda a Segunda Guerra Mundial, com ogivas nucleares e submarinos atômicos de apoio, entre outras coisas. Isso nos mete medo, pois pode levar a um enfrentamento, senão global, de guerras regionais, com grande potencial de devastação”.
“No que nos diz respeito mais direito mais diretamente o grande problema é que os Estados Unidos não toleram a existência de uma grande nação no Atlântico Sul, com soberania e um projeto autônomo de desenvolvimento, que às vezes pode ser conflitivo com os interesses de Washington. O Brasil está mantendo essa atitude soberana e isso causa preocupação a eles, pois a economia futura será baseada naqueles países que têm abundância de bens e serviços naturais, como água, sementes, produção de alimentos, energias renováveis. Neste contexto, o Brasil aparece como uma potência primordial, pois tem uma grande riqueza desses bens e serviços essenciais para toda a humanidade”.
A agenda conservadora no Congresso Nacional
“De modo geral, a sociedade brasileira é conservadora, mas nos últimos anos, especialmente com a resistência à ditadura militar e com o retorno à democracia, se criou um sentido de democracia participativa e republicana, onde o social ganha centralidade e não simplesmente o Estado e o desenvolvimento material e econômico. Incluir aqueles que estiveram sempre excluídos passou a ser um tema central. Isso foi um elemento de progresso e avanço que assustou as classes privilegiadas que perceberam que esses 40 milhões de pessoas estão ocupando um espaço que era exclusivo deles e começam a ameaçar seus privilégios. Os representantes dessas classes não querem que o Estado se defina por políticas sociais, mas sim pelas políticas que, historicamente, sempre beneficiaram as classes dominantes.
Eles conseguiram uma articulação com grandes empresas, com grupos do agronegócio e outros setores para construir uma representação parlamentar. O que vemos hoje é que os sindicatos praticamente não estão representados, os indígenas e negros não estão, o pensamento de esquerda não está. O que temos, na maioria dos casos, são deputados medíocres que representam interesses de grandes corporações nacionais e internacionais, que tem pouca ou nenhuma ligação com um projeto de nação”.
“Diante desse quadro, nós precisamos, em primeiro lugar, travar uma batalha ideológica e debater que tipo de Brasil nós queremos, um Brasil como um agregado subalterno de um projeto imperial, ou um Brasil que tem condições de ter um projeto nacional sustentável próprio. Temos um grande embate a travar em torno dessa ideia. Acho que esse será também o tema central das próximas eleições. O povo não quer perder aquilo que conquistou de benefícios sociais nestes últimos doze anos e quer ampliá-los. Essas conquistas são de Estado, não são mais de governos. Esse embate será muito difícil, mas acho que há um equilíbrio de forças que vai permitir, pelo menos, governos de centro-esquerda, não totalmente de esquerda, pois creio que não há condições para isso hoje”.
Sobre Eduardo Cunha, presidente da Câmara
“Em primeiro lugar, acho que é um bandido político. Sempre foi conhecido assim no Rio. Um jornalista do Globo fala dele como “a coisa má”. É um homem extremamente sedutor, não respeita lei nenhuma, tem dezenas de processos de corrupção contra ele, mas consegue manipular de tal maneira os poderes que sempre consegue prolongar sua vida. É alguém que não tem nenhum respeito à Constituição e atropela normas do Congresso como bem entende. Creio que a pretensão dele, no final dessa legislatura, é propor o parlamentarismo para ele ser o primeiro ministro, já que não poderá ser presidente pela via eleitoral. É uma pessoa extremamente ambiciosa, manipuladora, inescrupulosa, sem qualquer sentido ético e um fundamentalista religioso conservador e de direita”.
O crescimento do fundamentalismo religioso
“Acho que essas bancadas evangélicas fundamentalistas que se espalham pelo país são formações em si legítimas, uma vez que são eleitas, mas ilegítimas na medida em que não se inscrevem dentro do quadro democrático. Querem impor a sua visão sobre a família, a ética individual e pública para toda a sociedade brasileira. O correto seria eles terem o direito de apresentar a própria opinião para ser debatida e confrontada com outras opiniões, respeitando as decisões coletivas. Mas eles querem impor a opinião deles como a única verdadeira e difamar e combater pelos púlpitos qualquer outra alternativa. Acho que devemos atacá-los pelo lado da Constituição e da democracia e enquadrá-los dentro da democracia, pois são pessoas autoritárias e destruidoras de qualquer tipo de consenso que nasce do diálogo”.
Sobre o governo Dilma
“Acho que a campanha da Dilma foi mal conduzida. Tudo aquilo que ela combatia, que seriam medidas neoliberais, a primeira coisa que fez, sem discutir com o povo brasileiro, com os sindicatos e sua base de apoio, foi aplicá-las diretamente. Neste sentido, ela decepcionou a todos nós que apoiamos a sua candidatura e o povo é suficientemente inteligente para perceber que houve um engodo. Por outro lado, cabe reconhecer que há uma crise que não é só brasileira, mas mundial, que afeta gravemente países como Grécia, Itália, Portugal e Espanha, com níveis de desemprego e de dissolução social muito mais graves do que os nossos”.
“Então, estamos diante de um problema sistêmico, não só brasileiro, mas aqui ele ganhou conotações muito específicas porque o PT tinha um projeto progressista de centro-esquerda, de apoio aos movimentos sociais, comprometido a não tocar em direitos dos trabalhadores e pensionistas. E o governo acabou tomando medidas que considero injustas, pois colocou a carga principal da crise sobre os ombros os trabalhadores e pensionistas, e não em cima dos grandes capitais, das grandes heranças e do sistema financeiro dos bancos. Estes setores foram poupadas e isso eu acho uma injustiça e uma indignidade”.
“Então, o povo, com justiça, fica desolado. A gente sabe que a Dilma é ética e não cometeu malfeitos, mas tomou medidas na direção contrária do que pregava. Então é uma contradição visível que não requer muita análise para mostrar. Ela dizia que nem que a vaca tussa iria mexer em direitos, e a primeira coisa que fez foi mexer no seguro desemprego e nas pensões. Houve uma quebra da confiança e, em política, o que conta de verdade é a confiança. Agora, se ela tiver algum sucesso e conseguir não penalizar o país demasiadamente em termos de desemprego e retrocesso no processo produtivo, ela poderá voltar a ganhar confiança, mas é uma conquista muito difícil.”