Petrobras + Fazenda: uma solução conhecida contra o caos
Roberto Requião(*)
Não me confundo com a oposição, mas não posso esconder a minha angústia em relação à realidade econômica nacional. O tempo urge para que tomemos providências que se oponham ao caos que se anuncia. Este artigo busca fazer uma análise crítica do momento em que vivemos e propor uma saída conhecida, porém eficaz.
Estamos em uma situação econômica de tal gravidade que o único ponto de equilíbrio que nos oferecem é o da contração da produção e do emprego, já em marcha, como apontam todos os indicadores. O ponto de equilíbrio que nos oferecem é o ponto de equilíbrio da depressão.
É assustadora a previsão de alguns economistas de que teremos uma contração da ordem de 5% neste ano – sendo 2% negativos por conta do ajuste-Levy, e 3% negativos por conta da Operação Lava Jato.
O impacto, no caso desta última, é a paralisação ou a diminuição dos investimentos da Petrobrás, investimentos que se refletem numa cadeia produtiva estimada em 13 a 17% do PIB. Um impacto fortíssimo.
A declaração de inidoneidade de grandes empresas, por parte da Justiça Federal do Paraná, se efetivada, tem o potencial de destruir 500 mil empregos diretos e 1,5 milhão de empregos indiretos nos Estados produtores de petróleo e de equipamentos.
E isso se estende à receita de Estados e municípios, que por sua vez já estão paralisando pagamentos de fornecedores e até de pessoal, criando o que se chama risco sistêmico, afetando inclusive bancos.
Essa tragédia é desnecessária. Não há qualquer razão jurídica, econômica ou filosófica que leve a se confundir empresa com empresário, imputando as empresas, inclusive a Petrobrás, os crimes ou fraudes dos empresários ou seus executivos. Empresas não são homens, são ferramentas na mão dos homens.
Por que algo conceitualmente tão simples não resultou ainda em um entendimento franco entre Governo e Judiciário a fim de limpar a estrada para a retomada dos investimentos da Petrobrás?
Parece que não há hoje, na República quem tome decisões definitivas. Temos a sensação desconfortável de que o país está à deriva. As instituições republicanas esfrangalham-se, esfarrapam-se. O Legislativo é bloqueado pelo Executivo, o Executivo é bloqueado pelo Judiciário. O Judiciário, às vezes, bloqueia-se pelo comportamento de seus próprios agentes em razão de ações inconstitucionais, arbitrárias, oportunistas ou contraditórias. O juiz que se apodera de bens de um denunciado que sequer foi julgado, talvez não seja mais que um exemplo.
É inevitável a sensação de falta de autoridade legítima, quando se confere poderes exagerados a um tecnocrata para gerir a área estruturante do Governo. Hoje nada funciona no governo e na economia em geral sem a anuência ou ao menos a influência do Ministério da Fazenda.
Abstraio-me aqui de toda consideração de caráter partidário ou pessoal, o que me opõe ao ministro Levy é a sua obsessão por políticas neoliberais anacrônicas que estão destruindo a Europa e outros países.
Ultra-ortodoxo em suas convicções, Levy recusa-se a aceitar o conhecimento econômico básico de que nenhum país deve fazer política de ajuste recessivo em situação de estagnação ou de recessão. Ora, estamos em recessão, ou crescimento zero, desde o ano passado.
O ajuste realmente necessário não é nas contas públicas. É nas contas externas que precisamos fazer um ajuste. Nosso déficit público é decorrente basicamente dos juros extraordinariamente altos e da recessão causada em grande parte por esses juros.
Nesse momento de recessão, o governo deveria apoiar o investimento público e privado para fazer a economia voltar a crescer, e não afugentá-los com cortes orçamentários e juros elevados.
O ministro, no entanto, reduz a economia às relações contábeis, ignorando tudo mais, notadamente as questões humanas e sociais relativas ao emprego, à renda real, à produção, ao bem-estar dos cidadãos.
Em razão poder absoluto sobre as áreas econômicas, do vazio de um Congresso virtualmente omisso ou sem rumo, da simpatia da mídia monopolista e conservadora, o ajuste-Levy é um risco para a Nação Brasileira. Infelizmente, o ministro tem a cabeça feita e jamais recuará dessa política.
Levy se transformou em um superministro, com poderes extraordinários, pela omissão de uns e oportunismo de outros. Bizarramente, vemos invertida a configuração entre Governo e oposição. Os oposicionistas não atacam Levy porque são unhas da mesma carne, enquanto os governistas ficam inibidos de atacá-lo, porque ele é ministro do governo que apoiam.
Ainda assim, apesar desse maniqueísmo, dessa visão dicotômica das coisas, dessa disputa de torcidas organizadas, que sempre se acentua em situações de crise, o Congresso é, paradoxalmente, o único foro para tomada de decisões que resta à República em sua defesa.
Nessa “sinuca de bico”, precisamos esquecer velhas disputas políticas, ainda que temporariamente, e buscar um caminho comum para a salvação da Nação Brasileira, que está sendo atacada em suas bases econômicas e em sua soberania.
Mas esse não é nosso único problema. A Petrobrás e o Pré-Sal são hoje nossa esperança de saída da crise e superação do subdesenvolvimento. Nenhum de nós ignora o que a empresa representa e ainda pode representar para a economia nacional
Não estou falando em termos românticos, sobre o que significa a Petrobrás para a alma brasileira, fruto que foi de um dos maiores movimentos de massas que tivemos em nossa história. Falo da Petrobrás objetivamente, como fonte de emprego, de impostos, de renda, de acumulação de tecnologia nacional.
Essa Petrobrás responde diretamente por algo entre 13 a 17% da economia, sendo a espinha direta e indireta a sustentar milhões de empregos no país. Mas como anda a Petrobrás com a Operação Lava Jato?
Cito informações veiculadas pelo jornal O Globo, há duas semanas. Textualmente: “A promessa do Pré-Sal não fará mais da Petrobrás a principal locomotiva do crescimento econômico do País nos próximos anos.
No novo Plano de Negócios de 2015 a 2019 que, segundo fontes, deve ser divulgado no dia 10 de junho, a estatal vai pisar no freio na tentativa de reduzir o seu nível de endividamento.
Os investimentos vão oscilar de 129 bilhões de dólares – (387 bilhões de reais)- a 141 bilhões de dólares (423 bilhões de reais) no período, conforme dados da própria companhia.
Ou seja: o menor nível de investimentos desde a crise global de 2008 e representará uma queda de até 41% em relação ao Plano anterior, de 2014 a 2018, de 220,6 bilhões de dólares (661,8 bilhões de reais).”
Em razão da drástica redução planejada pela Petrobrás, o investimento vai passar de uma média anual de 35 bilhões a 40 bilhões de dólares, até 2014, para 25 bilhões de dólares a 29 bilhões de dólares, até 2019.
“Esse freio será muito ruim para a indústria e para a economia – argumenta José Velloso, da Associação Brasileira das Indústrias de Máquinas, a Abimaq – pois a Petrobrás responde pela metade dos bens de capital comprados no país”.
Parar a Petrobras por meios judiciais, administrativos ou contábeis tende a arrastar para o fundo do poço toda a economia. Por motivos puramente ideológicos, um monocrata da Fazenda não pode exigir a redução intempestiva e radical dos investimentos da empresa. O motivo alegado é reduzir o endividamento da empresa para apenas 282,1 bilhões de reais – uma ninharia em face do patrimônio de trilhões de dólares armazenados no Pré-Sal. Esse equívoco ficou mais dramático depois que a empresa divulgou que atingiu um custo na extração de petróleo de apenas nove dólares por barril, pois isso torna qualquer endividamento para extrair esse petróleo barato e sustentável.
Ademais, ainda que consideremos a Petrobras uma empresa como outra qualquer e o investimento no Pré-Sal como outro qualquer, sabemos que é possível aumentar o investimento reduzindo a dívida: bastaria que o governo promovesse um aumento soberano no capital da empresa.
Mas a Petrobras não é uma empresa como outra qualquer, é uma das bases de nossa economia e de nosso desenvolvimento tecnológico. Isso deve relativizar as decisões públicas sobre o nível de endividamento da empresa, que, aliás, não é nada alto, se comparado ao seu patrimônio.
O desemprego está aumentando velozmente: a taxa fechou o primeiro trimestre em 7,9%, sete décimos acima da taxa do primeiro trimestre do ano passado, e 1,4 ponto acima do quarto trimestre do ano passado.
Os números absolutos, embora impressionantes, não são os mais relevantes. O importante é detectar qualitativamente a tendência. E a tendência – no contexto do ajuste-Levy e da degradação da economia – é de uma piora substancial.
Os economistas que tenho consultado e muitos que publicaram artigos recentemente falam que, se nada for feito, a taxa de desemprego pode chegar a um nível recorde da ordem de 15% até o ano que vem. Assim, desgraçadamente, conheceremos, então, o que é uma grande depressão, o que não conhecemos nem nos anos 30 do século XX, quando o mundo sucumbiu. Seria uma tragédia, como hoje vivenciada por vários países europeus.
Os economistas que nos alertam não falam isso para que aconteça ou torcendo para que aconteça. Pelo contrário, falam para que não aconteça. As previsões econômicas são portadoras desse paradoxo: se aquele que prevê tem credibilidade, o pior não acontece porque, em face dessa credibilidade, os agentes econômicos com o poder de tomar decisões cuidam de tomá-las na direção de se evitar o pior. Concordo com eles, e espero que nosso governo mude e impeça que as previsões se realizem.
Gostaria muito que o senhor Joaquim Levy levasse em conta esses alertas e tomasse as providências necessárias. Entretanto, não acredito que ele vá fazê-lo. Ele é vítima de uma ideologia, a ideologia monetarista, que só confia em taxas de juros estratosféricas, superávits primários e câmbio livre – o famoso tripé o mesmo que ancorava as políticas anunciadas por candidatos da oposição na última eleição presidencial.
Levy é o homem do corte. O homem da tesoura, como se dizia dele quando esteve à frente da Secretaria do Tesouro. Não é o homem dos investimentos, dos direitos sociais, do emprego, do crescimento, dos projetos nacionais. Dependendo dele, vamos nos afundar cada vez mais na recessão e na depressão.
Para restabelecer a normalidade no mercado interno e na economia do petróleo a solução seria simples e conhecida:
1º- O Tesouro, exercendo sua soberania, emite títulos da dívida pública para repassar os recursos equivalentes à Petrobrás, através do BNDES.
Com esses recursos, a Petrobrás sustenta seus investimentos nos níveis necessários para cobrir as despesas correntes, de caixa e de ampliação da capacidade produtiva.
Assim, ela preserva e amplia sua agenda de investimentos, pelo menos ao nível de outubro do ano passado, quando a crise tornou-se aguda.
2º- Em contrapartida, a Petrobrás pode emitir debêntures conversíveis em ações, a fim de dá-las em garantia do empréstimo do BNDES.
Apenas essa providência restabeleceria a corrente de pagamentos e recebimentos da Petrobrás, possibilitando a restauração também da cadeia de recebimentos e pagamentos das empresas privadas que são fornecedoras dela.
Com isso, eliminamos os três por cento de queda do PIB por conta da Petrobrás. Restariam os dois por cento por conta do efeito Levy. Para estabilizar a economia, e eliminar a taxa negativa de 2%, teríamos duas alternativas: ou Joaquim Levy muda a política econômica recessiva que adotou ou ele se despede do Governo possibilitando a salvação da Nação.
A política econômica em curso vai destruir as relações federativas na medida em que estrangulará os estados e municípios na sua capacidade de pagar a dívida pública gerida pelo Governo federal.
É dispensável dar números porque todos sabem que a dívida dos Estados, que cresceu exclusivamente por conta de juros elevados que gera passivos impagáveis, especialmente numa economia em recessão.
A linha de solução é acabar com a crise sistêmica na raiz: o crédito e o investimento público. Uma vez restaurada a linha de crédito, pelo Tesouro e BNDES, em favor da Petrobrás, salvam-se as empresas fornecedoras dela; com isso, salvam-se também os orçamentos de Estados e municípios sob influência direta ou indireta da Petrobrás. Quer dizer, praticamente a totalidade dos municípios, considerando-se as conexões paralelas na economia. Salvam-se, sobretudo, centenas de milhares de empregos, o que deve ser nosso foco principal.
Qual seria o obstáculo para começar essa reversão da economia? É o ministro da Fazenda, não por sua pessoa, mas por sua política. Ecônomos como ele acham que a dívida pública não pode crescer em circunstância alguma, mesmo na recessão e na depressão. Aliás, se a dívida crescer em razão dos juros altos não tem problema para eles...
É a mais radical interpretação e aplicação do monetarismo vulgar. Sim, porque em determinadas circunstâncias, como em situação de calamidade, crise social ou guerra, até mesmo Friedman, o pai do monetarismo clássico, admitia o aumento da dívida pública.
E nós estamos em guerra. Uma guerra contra a depressão e o desemprego é o equivalente fiscal de uma guerra real. Nessa guerra, é absolutamente legítimo recorrer ao Tesouro para salvar a Nação.
Dirão os monetaristas vulgares que isso geraria inflação. Mas como, se a economia está em recessão, caminhando para a depressão? Inflação de demanda só existe quando o consumo supera a oferta. Estamos numa situação em que o consumo, afetado pelo desemprego e pela queda da renda do trabalho, está muito aquém da oferta.
A inflação que está aí é fruto exclusivamente da indexação remanescente na economia, do repique cambial, do reajuste radical dos preços administrados exigido por Levy e da política de juros, que afeta custos; logo, não tem nada a ver com aumento da moeda e da dívida.
Paradoxalmente, alguns bancos e seus fraternos jornalistas só consideram desastres os aumentos acima de 0,01 ponto na taxa de inflação. Mas, para eles, tudo bem, se a inflação aumenta em razão de medidas antissociais como reajuste preços administrados, aumento de juros, indexação de preços ou aumento de juros.
Esses jornalistas amigos das finanças ficariam estarrecidos, se o aumento da dívida mobiliária fosse usado para ajudar a Petrobrás a superar a crise. Diriam que isso levaria ao rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de risco internacional. Paradoxalmente, se esse aumento fosse decorrente de um aumento exagerado dos juros, eles não ficariam assustados, e nem as agências de risco.
Esse tipo de “raciocínio” é uma boa combinação de estupidez com ignorância. Afinal, não há nada mais desmoralizado no mundo hoje, depois da crise de 2008, do que agências de risco. Todos os representantes das principais agências foram chamados às falas pelo Senado norte-americano e alegaram que suas notas não passam de “opinião”.
Com isso, tiraram sua responsabilidade em relação às previsões róseas que fizeram dos títulos-lixo aos quais davam as notas máximas antes da crise. Era mera opiniã, muito lucrativa, aliás.
Não acredito que as agências de risco irão rebaixar a nota da Petrobrás e do Brasil. O tesouro do Pré-Sal nos tornou uma nação financeiramente rica. Por isso, temos um ótimo crédito, como mostraram recentemente os chineses. Mas se nosso crédito for rebaixado, temos uma excelente alternativa: o Banco dos BRICS, que está pronto para ser acionado, e que não foi acionado ainda porque há resistências impertinentes no Banco Central brasileiro à conversão de parte ínfima das reservas externas brasileiras em capital do banco.
Sim, o Banco Central do Brasil também faz política externa. Com apoio do Levy, o BC está resistindo ao maior lance estratégico do Brasil desde a fundação da República, a aproximação com os demais países do BRICS.
A interação entre uma mídia hostil e as forças políticas oposicionistas, junto com a ambiguidade do governo e a perplexidade da esquerda, diante do rumo tomado pela política econômica, criou entre nós a situação de caos percebida por grande parte da população.
Não há rumo em nossa política. Cada um pensa por si. No Congresso, presidente da Câmara não se entende com presidente do Senado, ambos não se entendem com lideranças do Governo; deputados e senadores agem individualmente, nem sempre com objetivos definidos, terreno fertilíssimo para o oportunismo e o aparelhamento partidário do Estado.
Por que vivenciamos essa situação? Simplesmente porque a única coisa mais ou menos definida trazida ao Congresso é uma política econômica que agride a nacionalidade.
Isso leva a uma resistência da Nação real, ao mesmo tempo em que possibilita aos arrivistas tentar encontrar um espaço confortável junto aos atores da política econômica que, circunstancialmente, mandam no país.
Entretanto, como não estamos apenas em uma crise fabricada, mas sim em uma crise que se tornou efetiva, aos poucos as forças produtivas reais, empregados e empregadores, tomam consciência de que é sua sobrevivência que está em jogo e, portanto, precisam reagir.
E a única reação possível é o combate à política econômica do senhor Levy e a substituição dessa política recessiva por uma política comprometida com o crescimento e o desenvolvimento econômico e social brasileiro.
Ponho-me aqui, teimosamente, a repetir quantas vezes for possível: destruamos a política econômica neoliberal, anti-Brasil, anti-povo, anti-emprego, anti-produção de Joaquim Levy. Ela deve ser destruída, antes que destrua o Brasil.
Talvez haja uma solução menos traumática. Levy, sendo um homem honrado, pode simplesmente procurar a Presidente e devolver-lhe o cargo sob o argumento de que sua política não confere estabilidade ao Governo. E a Presidente, refletindo sobre o conjunto da situação, nomearia uma equipe progressista homogênea para garantir essa estabilidade.
A razão para isso é simples: Levy não teve seus projetos aprovados no Congresso por seu conteúdo, mas pela aritmética partidária. A oposição votou contra os projetos em que acredita, e a situação votou a favor de projetos em que não acredita. Francamente, isso jamais produzirá estabilidade política no país.
Portanto, mais uma vez: delenda est a política econômica neoliberal.
(*) Roberto Requião é Senador da República e ex-governador do Estado do Paraná.