quinta-feira, 15 de maio de 2014

O futuro é uma escolha

Por Johnny Gonçalves
Já vou avisando: este texto é meio comprido. Se você é daqueles que não conseguem ler qualquer coisa com mais de vinte linhas, procure fazer uma forcinha. Vou tentar o possível para não complicar. Se as suas forças estão fracas pra isso, ainda mais para pensar em temas horrorosos como política e economia, volta para o facebook, ninguém vai ficar magoado, de vez em quando eu também vou pra lá.
Dizem que a oposição não tem projeto de governo. Discordo. Projeto eles têm. O problema de Aécio Neves – e aderentes – é que eles defendem um produto vencido. Vou falar um pouquinho sobre esse projeto/produto mais à frente. No caso, a palavra vencido pode ser aplicada em dois sentidos: vencido porque ultrapassado, com data prescrita, como um remédio velho e amargo que ficou no fundo da gaveta; e vencido, também, porque já exposto em três eleições presidenciais e sucessivamente rejeitado pelo eleitor brasileiro.
O importante agora é perceber que tudo parece ausência de projeto porque a oposição se envergonha dele, daí defendê-lo com meias palavras, em linguagem cifrada. Dia desses, por exemplo, o candidato tucano reuniu-se com a nata do empresariado brasileiro e disse que, caso eleito, adotaria medidas impopulares. Bati três vezes na madeira. A tal da nata presente aplaudiu com efusividade. Lógico, as tais medidas impopulares, como o próprio nome diz, valeriam apenas para o povo, um grupelho abjeto ao qual não pertencem, portanto nada a ver com eles. Vou escrevendo e percebo que me saem umas palavras irritantes para os tucanos. Povo é uma delas, tucano é outra. Tem um jornal que não aceita o termo tucano. Pelo menos não aceitava. Faz tempo que deixei de comentar por lá. A gente precisava escrever tu.ca.no, assim, separado por pontinhos, senão o filtro moderador (?) tesourava. Ora, o tucano é o símbolo do PSDB. Eles passaram a se envergonhar da própria marca. Do produto, então, nem se fala. Sem marca e sem produto, parece que não têm projeto. Só que têm.
O modelito proposto por tucanos – e aderentes – chama-se neoliberalismo. Quando a gente usa essa palavra, os caras também piram. Pior pra eles. Aí é que a gente usa mais ainda o chulo da política. Afinal, não somos tão bonzinhos assim. Todo mundo sabe que a verdade pode doer, principalmente quando ela desenterra velhos fantasmas do passado, sofrimentos que foram esquecidos desde a passagem do século. Neoliberais empedernidos, neoliberais relutantes, neoliberais e ponto. Se a gente chamar essas pessoas apenas de liberais, tudo bem, aceitam numa boa. Alguns lembram-se orgulhosos de Adam Smith, David Ricardo e até de Hayek. Chiques. Mas, se botarmos o “neo” na frente, ficam tiriricas da vida. Não que isso signifique lhes atribuir alguma deficiência de caráter. No meio dessa turminha, tem gente bem intencionada, mas que resiste bravamente a qualquer tipo de mudança. Falo aqui da mudança verdadeira, que mexe com os brios de classe, diferente daquela proposta pelo rei no Gatopardo de Lampedusa (já leu?), em que se deve mudar para que tudo continue igual.
Boa parte dessa gente bem intencionada que odeia o atual governo petista (ressalve-se aí uma contradição entre ódio e boa intenção) insere-se no perfil denominado conservador, outra palavrinha incômoda. Além de ser um rótulo besta, ninguém quer mostrar o desejo de conservar nada, já que vivemos na era das revoluções vazias. Quando anéis reluzentes estão em jogo, então, é melhor não dar bandeira. A outra parcela dos bem intencionados – constituida principalmente por jovens de pouca leitura - não sabe muito bem o que quer, apenas segue tangida como gado pelas manchetes azedas da grande mídia. Somos náufragos desorientados na superfície de cacos flutuantes denominada internet. Sofremos da comichão perturbadora dos tempos modernos. Uma raiva funda e inexplicável, você sabe como é. No meio de campo, entre uns e outros, fulgura a tal da velha mídia. Esta, sim, sabe muito bem o que quer: identifica-se com o primeiro grupo, de fato é integrante do mesmo, conhece as ferramentas sofisticadas da ilusão, domina a arte de persuadir.
Mas, em termos práticos, no que consiste o projeto neoliberal? Basta rever o filme ou, para quem é novinho e está boiando, basta assistir pela primeira vez. O que foi feito nos anos 90 em nosso Brasil varonil? Basicamente, o país saía de uma longa ditadura que mantinha a renda concentrada a ferro e fogo, deixando uma herança perversa chamada inflação. Era preciso combater o monstro. O método aplicado foi “lampedúsico”: mudar para deixar tudo igual – ou até pior.
Diziam: o problema está no tamanho do Estado, que é gastador e ineficiente. Empresas públicas passaram a ser execradas, a sociedade precisava de liberdade para o empreendimento individual, urgia uma nova liberdade (daí o termo neoliberal) que expurgasse as interferências do Estado corrupto. Compramos a fórmula. A bem da verdade, importamos a fórmula. Sabe aquele esmalte de unha que a apresentadora platinada recomenda nos comerciais de televisão, mas não usa? Foi assim. Todos os países tidos como desenvolvidos possuíam Estado forte, mas o nosso tinha que ser mínimo. E para ser mínimo, tinha que arrancar pedaços. Vieram as privatizações e desregulamentações. Caramba, este texto está se transformando numa fieira de palavrões horríveis. Os pedaços do Estado foram arrancados e entregues para aqueles mesmos que defendiam sua redução. As amarras sufocantes da lei foram afrouxadas, para não atrapalhar. No frigir dos ovos, vendemos quase tudo aquilo que nossos pais e nossos avós construíram com tanto suor. Ficamos quase pelados, tudo em nome da tal liberdade, e tudo para fazer caixa, uma vez que o passivo da nação era imenso. Só que vendemos as chamadas joias da coroa por um precinho camarada, mas não adiantou, saímos com roupa de mendigos. O tal espírito empreendor não desabrochou e o caixa do governo afundou no vermelho. O FMI mandava fazer a lição de casa, o noticiário falava toda hora em remédio amargo. Por quê?
Aí entra a parte mais interessante do projeto neoliberal-tucano-conservador. Putz, nessa hora vejo alguns dos meus leitores imaginários franzirem o cenho e encerrarem a leitura, contrariados. Sem problema, vamos em frente. Para baixar a inflação, os caras precisavam reduzir o consumo. Dizem os sábios que quando a oferta de produtos não é suficiente para atender a demanda (procura), os preços sobem. Como reduzir o consumo? Isso é fácil: basta reduzir os salários. Sem grana, ninguém compra nada. Nos dias de hoje, o consumismo é desbragado. Serve até para aplacar as nossas angústias. A turminha que ontem defendia os baixos salários reclama hoje do consumismo, e olha que se dizem capitalistas! Não veem que ainda tem muita gente para entrar na festa. Tem muita gente que ainda lava roupa no tanque, que esquenta comida na lenha, que não tem casa, carro e sapato bonito. A ideia de que o consumo é um erro do governo parte daqueles mesmos que consumiam nos tempos de Fernando Henrique e continuam a consumir hoje, dos mesmos que viajavam confortáveis em seus aviões, sem a companhia repelente da plebe. Falar de aumento do salário mínimo, para eles, significa aumentar o gasto público, um horror. Foi o que fizeram nos anos 90. Assim, o salário não aumentava nem a pau, Juvenal.
Outra maneira de reduzir o consumo é aumentar os juros. Quando o salário está apertado, quase todo mundo arruma um jeito de descolar um empréstimo para comprar o carrinho em suaves prestações. Se os juros sobem, o bicho pega, pois a prestação não cabe no pequeno salário. Aquilo que os mercados chamam de política contracionista deixa um efeito colateral terrível: os mais ricos, aqueles que conseguem juntar bastante dinheiro, deixam sua grana aplicada a juros altos e ficam ainda mais ricos. Só eles podem receber as suas bolsas, disfarçadas com o nome pomposo de taxa Selic.
Com salários baixos e juros altos, a economia do país vai esfriando. As empresas não vendem, não investem em novas máquinas para produzir mais, os lucros diminuem. Adivinhe o que acontece? As empresas demitem seus trabalhadores. Ocorre algo que, felizmente, já estamos esquecendo: o desemprego. O Brasil vive hoje uma situação de pleno emprego. Falta mão de obra qualificada para preencher as vagas. Ontem mesmo, ouvi no rádio que empresas brasileiras estavam contratando haitianos para trabalhar na construção civil e em restaurantes. Nos tempos de Fernando Henrique, a coisa fedia. Não havia emprego nem a pau, Juvenal.
Já deu para perceber que, com salários arrochados, negócios em baixa e desemprego galopante, a inflação pode até cair, mas a vida se torna um inferno. Até o Maluf, que é um cara antiquado e conservador, dizia que é preciso pedalar para que a bicicleta fique de pé. Os resultados das políticas neoliberais dos anos 90 foram malignos. Uma verdadeira desgraça. O Brasil ficou sem patrimônio, sem reservas, com uma dívida gigante e uma inflação latente (com Plano Real e tudo o mais, Lula assumiu o governo e pegou 12,5% de inflação – hoje está pela metade e o pessoal reclama). A tal herança maldita (novamente eles piram) significou índices de desemprego assustadores, renda concentrada, muita pobreza e o escambau. No fim das contas, os brasileiros ficaram de saco cheio. Já podiam votar mesmo, botaram os tucanos pra correr, resolveram encarar o metalúrgico de nove dedos e o país deslanchou.
Falar que deslanchou tem um pouco de exagero, pois ainda existem grandes dificuldades. Tudo tem que ser negociado arduamente, pois vivemos a chamada democracia de coalizão, uma verdadeira bosta. Para conseguir tocar adiante os projetos de governo, tem que ceder muito. Se não ceder, já viu, volta pra casinha. Pra levar um projeto que é exatamente o oposto de tudo o que falei acima, tem que aguentar o PMDB, o PP, o PR, a Rede Globo, o Álvaro Dias e o diabo a quatro. Teve que fazer Carta aos Brasileiros. Teve que, no início, nomear como presidente do Banco Central um tucano de carteirinha. Apesar dos solavancos, a renda do brasileiro cresceu, o desemprego praticamente sumiu, a fome desapareceu do Jornal Nacional. A miséria absoluta está quase extinta.
Restou o discurso oposicionista contra a corrupção, como se a oposição não abrigasse corruptos, como se a corrupção fosse um problema recente. A maioria dos brasileiros desconfia desse discurso eivado de hipocrisia. Não que concorde com a roubalheira. Ela vê as notícias na TV falando de desvios de dinheiro, fica indignada, mas sabe que isso é conversa pra boi dormir. Não fique puto com corrupção se você já deu um dinheirinho para tirar a carteira de motorista, se você molhou a mão do fiscal da prefeitura, se corrompeu o policial rodoviário, se ficou quieto com um troco errado a seu favor, se trafegou pelo acostamento. O PT também não é perfeito. É feito de seres humanos como você. Existirá um governo perfeito? Difícil, né?
A diferença está no projeto, na maneira de ver o mundo, uma questão ideológica, até o Cazuza falava nisso. Vão dizer que é tudo a mesma coisa, que esquerda e direita não existem. Só que sim! Se você acha que direita e esquerda não existem, ou ainda não estudou bem o assunto, ou é de direita. Basicamente, a direita diz que é preciso primeiro crescer para depois distribuir. A esquerda tenta fazer o contrário. Um lado acha que o individual é mais importante, o outro acha que é o conjunto. Essas visões de mundo já nascem conosco, são difíceis de mudar. Tudo é parte de um processo civilizatório, que busca lentamente domesticar aquilo que o sócio-biólogo Richard Dawkins (já leu?) chamou de gene egoísta. Ainda somos todos macacos. Existe esquerda e direita, existe o muro e até o ET de Varginha. São estas visões que estão em jogo. O que você prefere?


Luis Nassif Online

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