quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Quando a China Dominar o Mundo”


Como a China vai moldar o novo século



Um artigo do economista inglês Martin Jacques, autor de um aclamado livro sobre a China
Os chineses estão satisfeitos com seu governo
O texto abaixo, publicado no site da BBC e reproduzido a pedido pelo Diário, foi escrito pelo economista e acadêmico inglês Martin Jacques, 67 anos, articulista de jornais como o Guardian e o Times. Jacques é autor do aclamado livro “Quando a China Dominar o Mundo”, lançado em 2009. 
Estamos testemunhando uma extraordinária justaposição de eventos. Numa só semana, os americanos foram às urnas para reeleger Barack Obama enquanto, na China, o décimo-oitavo congresso do Partido Comunista Chinês selecionava o próximo presidente e o primeiro ministro da China.
O contraste não poderia ser maior.
Dezenas de milhões de americanos votaram. Na China, o processo de seleção se dá em portas fechadas e envolve apenas uma quantidade moderada de pessoas.
Você provavelmente está pensando, “Ah, nos Estados Unidos isso é melhor, na China é pior – a falta de democracia. O calcanhar de Aquiles da China é seu governo. Isso será o motivo da queda do país.”
Pretendo defender a tese contrária.
Você deve pensar que a legitimidade e a autoridade do Estado, ou do governo, é irresistivelmente uma função democrática, ao estilo ocidental.
Mas ir às urnas é um fator. Isso não garante, em si, a legitimidade.
Pensemos na Itália. Há eleições, mas o problema contínuo do governo italiano é que o estado necessita de legitimidade. Metade da população não acredita nisso.
Agora, deixe-me chocá-lo: o estado chinês é mais legítimo do que qualquer estado ocidental. Como?
No caso da China, a legitimidade do Estado se dá inteiramente repousa em bases inteiramente distintas da experiência histórica nas sociedades ocidentais.
A China não é em primeiro lugar uma nação-estado, e sim uma civilização-estado. Para os chineses, o que importa é a civilização. Para os ocidentais, é a nação. O mais importante valor político na China é a integridade e a unidade da civilização com o estado.
Dado o tamanho e a diversidade do país, isso é bem problemático. Entre os anos 1840 e 1949, a China foi ocupada pelos países colonialistas, e terminou dividida e fragmentada. Os chineses se referem a esse tempo como seu Século da Humilhação.
Eles vêem o estado como a personificação e o guardião da civilização chinesa. E sua responsabilidade mais importante é manter a unidade do país. Um governo que falhe na função de assegurá-la não prosperaria.
Há vários exemplos na história. A legitimidade do estado chinês repousa, acima de qualquer outra coisa, em seu relacionamento com a civilização chinesa.
Mas o estado chinês, você pode perguntar, realmente é considerado legítimo aos olhos de seu povo?
Em uma série de pesquisas, Tony Saich, da Universidade Harvard, descobriu que entre 80% e 95% dos chineses estão relativamente ou extremamente satisfeitos com o governo.
Consideremos levantamentos do respeitado instituto Pew. Uma pesquisa feita em 2010 mostrou que 91% dos chineses que participaram da enquete achavam que a condução da economia pelo governo é bom. (No Reino Unido, esse número foi 45%).
Este alto nível de satisfação não significa que a China está livre de conflitos.
Ao contrário, há inúmeros exemplos de protestos, tais como a onda de greves na província de Guangdong por salários maiores em 2010 e 2011, e os 150.000 ou mais chamados incidentes de massa que ocorrem todos os anos. (Em geral, protestos de fazendeiros contra o que eles vêem como apreensão ilegal de suas terras por autoridades locais.)
Mas estas manifestações não implicam em qualquer descontentamento com o governo central.
Se o estado chinês goza de tal apoio, então por que expressa sinais de paranoia? O controle da imprensa e da internet, a prisão periódica de dissidentes e tudo o mais.
É um bom ponto. Na verdade, todos os govenos chineses exibiram esses mesmos sintomas. Por quê?
Porque o país é enorme e governá-lo é extremamente difícil. Os governantes estão sempre ansiosos, sempre temendo o inesperado. Antecipar fontes de instabilidade sempre foi considerado um atributo fundamental para um bom governo.
Não é supreendente que os chineses tenham uma atitude um pouco diferente diante do governo que os ocidentais.
Verdade, nossa atitude depende em parte de onde estamos no espectro político. Se você está na direita, é provável que acredite menos no governo do que no mercado. Se você está na esquerda, é provável que seja adepto de um estado forte.
Mas tanto a direita quanto a esquerda dividem algumas suposições básicas. O papel do estado deve ser codificado em lei, deve haver limites claros para seu poder e há várias áreas nas quais o estado não deve se envolver. Acreditamos que o estado é necessário – mas apenas até um certo ponto.

Jacques e seu livro aclamado
A ideia chinesa sobre o estado não poderia ser mais diferente.
Os chineses não o analisam de um ponto de vista estreitamente utilitarista, no sentido do que ele pode dar, e muito menos o consideram a personificação do demônio, como o Tea Party americano.
Eles vêem o estado como um amigo íntimo, ou, para ser mais preciso, como um membro da família – o patriarca da família, na verdade. Os chineses consideram a família o modelo para o estado. Mais ainda, eles vêem o estado não como uma força externa, mas como uma extensão ou uma representação de si mesmos.
O estado chinês goza de uma posição tão alta na sociedade que isso lhe confere uma autoridade enorme e uma ubiquidade notável.
Consideremos a economia. A ascensão econômica da China – um crescimento anual de mais ou menos 10% por mais de 30 anos – foi arquitetada pelo estado chinês.
É a mais notável transformação econômica que o mundo vê desde o início da Era Moderna, com a Revolução Industrial na Inglaterra no final do século XVIII.
Embora a China ainda seja um país em desenvolvimento, seu estado, eu diria, é o mais competente do mundo.
Tomemos a infraestrutura como exemplo – a importância da qual está sendo tardiamente reconhecida no Ocidente. Sua malha ferroviária de alta velocidade é a maior do mundo e em breve será maior do que a do restante do mundo combinado
Pense agora na ubiquidade do estado – a grande maioria das companhias mais competitivas da Chinas, até hoje, são estatais. Ou considere a política de ter um único filho, que goza ainda de grande apoio da população.
A competência do estado é raramente comentada ou valorizada no Ocidente, especialmente no mundo anglo-saxão. Desde os anos 80, o debate sobre o estado na Grã-Bretanha foi amplamente conduzido em termos do que deveria ser privatizado ou como as estatais poderiam fazer para imitar o mercado.
Agora, no entanto, estamos em um novo jogo. Com a economia ocidental em profundo desalinho e com a chocante ascensão chinesa, a competência do Estado não pode mais ser ignorada. Nosso modelo está em crise. O modelo deles lhes proporcionou resultados positivos.
Conforme a dramática ascensão da China continue – e certamente continuará – as forças chinesas se tornarão um assunto de interesse no Ocidente. Perceberemos, talvez, que nosso relacionamento com eles não deve consistir em lhes dizer que devem ser como nós. É necessário um pouco de humildade.
Uma das ilustrações mais dramáticas disso será o estado chinês. Pensamos nele como uma de suas maiores fraquezas, mas talvez venhamos a nos dar conta de que é uma de suas maiores forças.
Depois de um certo ponto seria impossível para um estado ocidental ser como o estado da China. É a consequência de uma história diferente e de um relacionamento diferente entre o estado e a sociedade. Você nunca poderia transplantar o estado deles para um país ocidental, e vice-e-versa. Mas isso não significa que não podemos aprender  com o estado chinês, assim como eles aprenderam bastante  com o nosso.
A ascensão da China terá um efeito profundo no debate ocidental.
Em mais ou menos seis anos, a economia chinesa irá ultrapassar a americana. Em 2030, será muito maior.
O mundo está sendo continuamente moldado pela China e, se teve as feições do ocidente pelos últimos dois séculos, no futuro se parecerá mais com o oriente.
Sejam bem vindos, então, ao novo paradigma chinês – aquele que combina um mercado extremamente competitivo e feroz com um Estado competente e ubíquo.
Para nós, no Ocidente, este é um fenômeno inteiramente novo. Um fenômeno que irá moldar nosso futuro.

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