quarta-feira, 10 de agosto de 2011

PRECONCEITO E A APOLOGIA AO CRIME.


QUARTA-FEIRA, 10 DE AGOSTO DE 2011

O ESPAÇO NÃO PODE SER SÓ DE QUEM DIVULGA PRECONCEITOS


Semana passada, o Instituto Maria da Penha e parceiros lançaram três comerciais que fazem parte da campanha “Mulheres e Direitos”. As três peças são muito boas. A primeira é de duas mulheres lavando roupa na beira de um rio e conversando sobre um marido que mudou após o casamento e está se comportando como dono. O segundo mostra mulheres saindo de casa e indo a uma delegacia. O terceiro traz Milton Gonçalez, Carlinhos de Jesus e Bernardo Mesquita falando das mudanças na sociedade e de como a violência se sustenta na desigualdade. Em todos Maria da Penha fala no final, com muita propriedade, como sempre. 
Embora os vídeos sejam de excelente qualidade, o principal numa campanha é a divulgação. Lógico que nós na internet iremos espalhá-los por aí, mas eles passarão (encurtados pra 30 segundos) na TV? Em que programas? Por quanto tempo? Eu sonho com uma campanha como a do Equador, aquela do “O machismo é violência/Reaja, Equador”, que já tem mais de dois anos de veiculação. Produzir essas peças pode ser caro, mas tem um preço ínfimo se comparado a quanto custa ocupar um espaço comercial na TV.
Eu queria que vídeos com
o os três lançados na sexta, e também outros, falando do desrespeito de todos os dias que as mulheres sofrem, tivessem presença diária na TV — e de graça. Que o governo pudesse ter direito a quinze minutos por dia em inserções comerciais, sem que nós contribuintes tivéssemos que pagar por campanhas que só visam melhorar a sociedade (para todos — homens e mulheres, ou alguém acha seriamente que um homem que bate na mulher leva uma vida boa, que uma sociedade que ouve gritos vindos da porta ao lado e não faz nada, porque “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, é saudável e feliz?). 
É absurdo que precisemos lembrar sempre que TV é concessão pública. Não é, ou não deveria ser, um canal que foi dado ao Roberto Marinho ou ao Silvio Santos ou ao Edir Macedo como um cheque em branco. Tem responsabilidades, e é assim em todos os países do mundo. 
Claro que eu gostaria que não houvesse mais público que risse de piadas como as do CQC. Eu adoraria que houvesse cada vez menos gente que quisesse se associar com velhos preconceitos, mas sou a favor da liberdade de expressão. Só acho que eles não devem, e não podem, ser deixados sós, falando as bobagens que quiserem, sem reação. Já pensou que legal se antes e depois de um quadro como odo Zorra Total, em que duas amigas sãobolinadas no metrô, houvesse comerciais do governo (ou de entidades ligadas a ele) mostrando que essa é uma realidade que atormenta milhares de mulheres todos os dias, e que isso não é engraçado e nem deveria ser aceito como natural? Seria um avanço se tais peças trouxessem depoimentos de mulheres que sofreram e sofrem essa realidade, e avisassemaos espectadores homens que as filhas, irmãs, mães e esposas deles também passam por isso. E por que limitar essa reação, essa tentativa de educar as pessoas, na violência contra a mulher? Vamos firmar um acordo com as TVs para que elas veiculem vídeos contra a homofobia e o racismo também, contra o bullying nas escolas, contra a "palmadinha pedagógica" nas crianças... Que tal se, depois da cena da novela que mostrou um gay sendo morto a chutes (porque novela não mostra beijo gay pra não chocar o público conservador, mas mostra violência contra gay, que aparentemente não é nada chocante), viesse um comercial didático com dados de quantos gays são mortos no Brasil? 
Seria ótimo se a mídia em geral se conscientizasse que seu papel pode ser combater preconceitos, ao invés de fomentá-los. Adoraria que a Globo tivesse campanhas institucionais contra o machismo, que este fosse um tema frequente em novelas. Gostaria que programas de humor apontassem suas armas contra os preconceitos, não contra ativistas que lutam contra esses mesmos preconceitos. Mas, infelizmente, se a gente for esperar que amídia acorde e queira melhorar o mundo, vamos esperar sentad@s até morrer. Não vai acontecer. A mídia se preocupa apenas com lucro, e, pra lucrar, nada mais fácil que martelar os velhos temas preconceituosos que vemos em todo lugar. Não há inovação. 
Na mídia reina o pensamento único, que é aquele mesmo pensamento expresso por conhecidos, parentes, amigos, colegas de trabalho, professores. É o senso comum, e o senso comum é extremamente preconceituoso. Escolhendo bem seu círculo de amizades, você pode passar a vida inteira sem encontrar alguém que divirja dos seus valores preconceituosos, valores que você carrega desde a sua formação preconceituosa. Mas o oposto não é verdadeiro: você teria de viver numa ilha deserta pra nunca topar com ideias preconceituosas. Então eu acho incrível a cara de pau de quem defende liberdade de expressão pra que Rafinha Bastos faça a apologia ao crime que quiser, mas ficaria revoltado se um programa de TV se dedicasse a apontar machismo, racismo, homofobia. Parece que essa liberdade de expressão é muito relativa. Só deve valer pros mesmos de sempre. O que eu ouço de “Cala a boca, sua feminazi nojenta!” todos os dias não tá no gibi. Eles querem liberdade de expressão... pra eles. A liberdade que defendem é que possam continuar exercendo seus preconceitos sem serem contestados. É só isso. 
Como já disse várias vezes, sou contra a censura. Eu quero é briga, quero revoluções. Quero que toda ação enfrente uma reação. Mas não vejo essa reação na TV. E ela precisa existir. Ninguém deve ter o direito de perpetuar as besteiras que quiser sem ser contestado. Mas pra ser contestado é preciso espaço. Toda a programação de TV é deles pra perpeturem seus preconceitos. Já passou da hora para que a luta contra os preconceitos tenha espaço também.

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