terça-feira, 7 de maio de 2013

UM AQUI, OUTRO LÁ.


Barbosa deixa esquerda perplexa e direita indignada


Desde que o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, deixou ver que pretendia auferir os favores da direita midiática promovendo a condenação in limine dos réus do julgamento do mensalão, tornara-se previsível que até poderia obter tais favores, mas estes teriam duração limitada ao período em que ele fosse útil.
Para evitar um “nariz de cera” (introdução longa), vou logo avisando que o assunto do post é a declaração desse cavalheiro sobre a grande imprensa brasileira ter viés racista e ser francamente de direita.
Agora sim, portanto, posso fazer sossegado o necessário preâmbulo.
A relação de Barbosa com a imprensa sempre teve altos e baixos. Sua nomeação como ministro do STF por Lula em 2003 até chegou a ser saudada pela imprensa por conta de apenas um de seus vários méritos, mas que foi o que pesou, preponderantemente, em sua indicação para o cargo: o mérito de ser negro.
Por que ser negro seria um mérito? Em situações normais não é mérito ou demérito, mas tão-somente um fator genético tal qual peso, altura etc. Porém, só em situações normais.
Um negro chegar a ministro do Supremo Tribunal Federal é meritório porque, em tese, significa que superou não só as dificuldades intelectuais que qualquer um tem para vencer tantos candidatos a um cargo como esse, mas também a desvantagem que ser negro gera em um país em que há tanto racismo.
A pergunta obrigatória a se fazer, portanto, é a seguinte: Barbosa seria nomeado ministro do STF se a quantidade de melanina em sua pele fosse menor ao ponto de deixá-la tão branca quanto as dos demais ministros daquela Corte?
É difícil responder taxativamente. Não se pode dizer que alguém com tanto saber quanto todos sabem que Barbosa tem não tenha ao menos currículo para exercer um cargo como esse. Contudo, quem o escolheu foi Lula, que não fez segredo de que pôr um negro pela primeira vez no STF era seu objetivo ao menos naquela nomeação em particular.
Já conversei com ao menos duas pessoas que presenciaram a escolha de Barbosa por Lula e elas me garantiram que o ex-presidente, na oportunidade, inquiriu os assessores da seguinte forma: “Quero colocar um negro no STF. Quem vocês têm aí?”
Não basta ter cultura para ser ministro do STF e tampouco basta ser poliglota. Mas também não basta ser negro. Tem que ter currículo, e o de Barbosa chega a tornar inexplicável que não tivesse sido ao menos cogitado antes para o cargo. É de tirar o fôlego.
Confira, abaixo, as credenciais do presidente do Supremo (Wikipedia)
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Biografia de Joaquim Barbosa
Wikipedia
“Joaquim Barbosa nasceu em Paracatu, noroeste de Minas Gerais. É o primogênito de oito filhos. Pai pedreiro e mãe dona de casa, passou a ser arrimo de família quando estes se separaram.
Aos 16 anos foi sozinho para Brasília, arranjou emprego na gráfica do Correio Braziliense e terminou o segundo grau, sempre estudando em colégio público.
Obteve seu bacharelado em Direito na Universidade de Brasília, onde, em seguida, obteve seu mestrado em Direito do Estado.
Foi Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979), tendo servido na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia e, após, foi advogado do Serpro (1979-84).
Prestou concurso público para procurador da República e foi aprovado.
Licenciou-se do cargo e foi estudar na França por quatro anos, tendo obtido seu mestrado e doutorado, ambos em Direito Público, pela Universidade de Paris-II (Panthéon-Assas) em 1990 e 1993.
Retornou ao cargo de procurador no Rio de Janeiro e se tornou professor concursado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi visiting scholar no Human Rights Institute da faculdade de direito da Universidade Columbia em Nova York (1999 a 2000) e na Universidade da Califórnia Los Angeles School of Law (2002 a 2003).
Fez estudos complementares de idiomas estrangeiros no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha.
É fluente em francês, inglês, alemão e espanhol. Toca piano e violino desde os 16 anos de idade.
Foi indicado Ministro do STF por Lula em 2003.
Joaquim Barbosa é o primeiro ministro reconhecidamente negro do STF, uma vez que, anteriormente, já compuseram a Corte um mulato escuro, Hermenegildo de Barros, e um mulato claro, Pedro Lessa.”
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Se credenciais não faltam a Barbosa, tampouco lhe faltavam, em 2003, concorrentes à altura. O que nenhum deles tinha, porém, era o mérito de adquirir tanto saber partindo das condições de que “o juiz negro de Lula” partiu.
Todavia, não faltariam concorrentes a Barbosa que tivessem maior experiência  do que ele na magistratura em vez de experiência quase que exclusivamente na Promotoria Pública, onde não se julga, acusa-se.
Eis, portanto, o contexto em que Barbosa foi escolhido: o de um homem altamente ilustrado e com uma história de vida edificante, mas insuficientemente talhado para julgar por falta de notório saber como magistrado, que, por definição, tem que ser o ponto de equilíbrio entre o acusador e o defensor.
Chegamos, assim, a 2007. Até então, ministros do Supremo não tinham o caráter midiático que têm hoje. A partir dali, porém, tornaram-se alvo do escrutínio da mesma grande imprensa que Barbosa recém criticou.
Naquele ano, o STF aceitou a Ação Penal 470, o inquérito do mensalão, sob pressão da imprensa, ao menos segundo o ministro Ricardo Lewandowski, que foi flagrado comentando que a Corte decidiu “com a faca no pescoço” colocada por ela.
A partir dali, cada juiz passou a ser fiscalizado por esse setor da imprensa para que soubesse de antemão como o colegiado do STF julgaria um processo que interessava àquele setor que terminasse com duras condenações, pois seus inimigos políticos seriam julgados.
Quando, pouco depois, Barbosa enfrentou, no Pleno do STF – e com transmissão pela TV Justiça –, o ministro Gilmar Mendes (quem, até hoje, é tido como preposto do PSDB, o partido aliado dessa imprensa), o ministro “de Lula” virou alvo. Por meses a fio, apanhou sem parar dos jornais que acaba de dizer “de direita”.
Barbosa, como Lewandowski, passara a ser considerado voto certo pela absolvição dos “mensaleiros”. Ao enfrentar Gilmar, virou o ministro “do PT” enfrentando o ministro do PSDB. Assim, foi perseguido pela imprensa, que, para atacá-lo, usou um seu problema de coluna que o fez perder muitas sessões do STF para se tratar.
Ano passado, logo que o julgamento do mensalão deu seus primeiros passos no rumo que tomaria até o fim, escrevi nesta página sobre “A redenção de Joaquim Barbosa”. O “ministro negro de Lula” estava, voluntariamente, tornando-se o ministro negro da mídia tucana, o “Batman”, o vingador da direita brasileira, que o elegera seu herói.
Barbosa virou intocável (na mídia) durante o processo do mensalão. Os que comemoraram a indicação de um negro para o STF viraram “racistas” por criticarem a condução autoritária e linchadora que ele deu à Relatoria da AP 470.
Elogiado desbragadamente pela mídia, passou a ser convidado para eventos de louvação ao massacre de petistas e até do próprio PT que perpetrou durante suas diatribes no julgamento do mensalão, nas quais acusou o partido mesmo sem ele figurar no processo.
Inebriado pela louvação midiática, sua virulência contra réus que deveria julgar com serenidade foi aumentando na proporção dos elogios que os jornais que agora reconhece racistas e de direita usaram como fermento para que proferisse as frases de efeito que esperavam que lhes trouxessem um benefício eleitoral que acabou não aparecendo.
Aos poucos, dada a irreversibilidade do caminho pelo qual enveredou durante o julgamento – que não lhe permite voltar atrás –, Barbosa foi deixando de ser útil. Sobretudo quando chegou à Presidência do STF e começou a surtar por conta da droga do orgulho inflado, que o fez protagonizar cenas de truculência ao sinal da mínima contestação.
A repercussão dos surtos de Barbosa pela imprensa – até por ele ter mostrado a ela que a sua truculência se tornara incontrolável ao não admitir nem críticas suaves – passou a ser inevitável. Eis que ele chega à conclusão de que seus favores durante o julgamento do mensalão não bastaram para impedir o que entendeu como ingratidão e preconceito.
As críticas do presidente do STF à imprensa durante o evento de que participou recentemente na Costa Rica, portanto, constituem uma retaliação à ingratidão que ele acredita que ela lhe dedicou após tão relevante serviço prestado.
Barbosa disse frases impecáveis sobre a imprensa brasileira, o que mostra que sabe muito bem a que forças políticas serviu. Ou alguém pode negar que praticamente não há negros em posições de destaque não só na imprensa, mas na mídia como um todo e, também, que essa mídia é de direita?
É irrefreável a força das palavras do presidente do STF sobre a imprensa não só por ocupar o cargo que ocupa, mas, também, pela sensação de verossimilhança que causam em quem delas tomar conhecimento, pois todos sabem o que é a mídia brasileira.
Um dos poucos comentários na mídia sobre o que Barbosa disse sobre ela, porém, parece conter um aviso. Leia, abaixo, trecho do comentário do blogueiro da Veja Reinaldo Azevedo.
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Blog de Reinaldo Azevedo
03/05/2013
Assim não, ministro Joaquim Barbosa!
(…)
Barbosa fez ainda considerações sobre a imprensa brasileira que certamente deixarão excitados os petistas interessados em controlá-la. E ainda fez o desfavor de misturar cor de pele com ideologia:
Eu não seria sincero se eu concluísse essa apresentação sem trazer para esse público desvantagens que vejo no meu país acerca da informação, da comunicação, da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa (…). No Brasil, negros e mulatos representam de 50% a 51% do total da população, mas não brancos são bem raros nas redações, nas telas de TV, sem mencionar a quase abstenção deles nas posições de controle ou liderança na maioria dos veículos de comunicações. É quase como se eles não existissem no mercado de ideias. Raramente eles são chamados para expressar seus pontos de vista. Esse é o maior problema para nós, no meu ponto de vista. Eu apontaria a fraca diversidade política e ideológica na imprensa. O Brasil tem hoje três principais jornais nacionais impressos, todos eles mais ou menos inclinados para a direita no campo das ideias.
Não há preconceito racial nenhum na imprensa brasileira. Pode até ser verdade, e deve ser, que haja menos jornalistas negros e mestiços (ou “mulatos”, para usar a expressão de Barbosa). E as empresas fazem uma seleção, dada a mão de obra disponível. O que ele sugere? Cotas nas redações?
Quando à questão da ideologia, Joaquim Barbosa escolha qualquer tema, e não será difícil demonstrar que os três grandes jornais brasileiros estão é alinhados à esquerda. Adoraria que ele tentasse demonstrar a sua tese. Eu lhe provaria o contrário com uma pletora de exemplos.
Noto que Barbosa decidiu se comportar nesse seminário como se fosse o observador de uma alguma entidade internacional que fosse contar aos estrangeiros como é o Brasil. Um péssimo momento.
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Comecemos pelo título. “Assim não, ministro Joaquim Barbosa!”, parece-me um aviso. E a você, leitor?
Seja como for, é risível que o articulista não tenha dito “Realmente, quase não há negros na mídia em um país de maioria negra”. Não é que há menos, é que há uma proporção ridiculamente pequena apesar de não faltarem jornalistas negros, atores negros etc.
“Mão-de-obra disponível” uma pinoia! A mídia não contrata negros jornalistas e não os coloca em posições de liderança das redações porque não quer, pois posso conseguir um exército de jornalistas negros se algum veículo disser que irá contratá-los.
A argumentação torta de Azevedo, porém, não é o objetivo deste texto. O fato é que sob um respeito incomum no texto do blogueiro da Veja viceja uma sensação de que foi um aviso. “Assim não!”, com ponto de exclamação no fim da frase, quer dizer que um determinado comportamento não será admitido.
A pergunta que resiste à análise sem ser respondida, portanto, é: será que Barbosa ficará com medo da mídia e evitará novas críticas ou terá entendido que alguém como ele jamais terá um acordo duradouro com ela?


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