quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Crônica de uma realidade surreal



Profanação geral da república (*)

publicada quinta-feira, 09/08/2012 às 09:58 e atualizada quinta-feira, 09/08/2012 às 09:32
Por Izaías Almada
Será uma manhã diferente igual a tantas outras. Acordarei que estava sonhando quando o sol, com seus raios dourados, tingir de prata o canto escuro do meu quarto iluminado. Será preciso enfrentar o silêncio com todo som que se acumula dentro da minha cabeça, pois antes de abandonar a luta há que desistir de tudo. A última desistência será sempre uma das primeiras virtudes de um pecador ateu. A esperança é a última que morde…
Convencido de que o momento presente será o futuro da humanidade, abrirei o jornal na seção de esportes à procura do último crime político… Ou será o contrário? Isso: abrirei a seção política à procura do último resultado esportivo e deparar me hei com a mais grave denúncia sem qualquer sentido ilógico: os últimos continuarão a ser os últimos e os primeiros, os primeiros. Na escola primária da minha rua haverá uma verdadeira luta de classes.
A união fará a forca, a guilhotina ou os supremos tribunais federais. A distribuição da justiça será feita em saquinhos de pipoca de milho verde no cineminha do bairro central da periferia. Brancos e negros se darão as mãos, que ficarão manchadas com a cor do outro. O mudo fará sinais ao surdo tentando explicar que ninguém é perfeito, mas o pior cego é quem entenderá esses sinais…
Na academia brasileira de letras cada acadêmico terá um número e os seus olhos não verão quando a lua surgir no céu da boca. O recomeço de tudo será o final do nada. O pão será farto e a fome infinita. A sede conduzirá o rio até o mar.
Crucificado, o demônio caminhará sobre as águas pluviais e o canto do cisne não mais se ouvirá. A última flor do Lácio será a primeira a murchar e entre David e Golias se fará a justiça de Salomão. Se o mundo estiver à beira do abismo, serei eu a dar o primeiro passo. Reunirei toda a coragem dos covardes e mergulharei nas areias escaldantes do Pólo Norte.
A dúvida é a única certeza. O verdadeiro sábio é aquele que sabe, já dizia acacianamente o procurador escondendo os seus argumentos. Da gaveta da memória perderam-se todas as chaves. No jogo das incertezas o coringa olha para todos os lados por trás dos seus óculos escuros e transparentes.

Quem sabe um dia seremos ouvidos? Ou bocas? Ou narizes? Pois a soma do quadrado é o cateto da hipotenusa, ficando por demonstrar que todo e qualquer nenhum é melhor que nada. Nada e se afoga. E se afoga é porque não sabe nadar. Ou melhor: não nada nada…
Nas costas do Brasil abunda a pita e lá trina o sabiá na seca galha… Nem mais, nem menos. Todo idiota tem seu dia de glória. A melhor defesa é o achaque. No mar de lama que o Brasil rico e culto se esconde, o jornalismo é a ponta do iceberg, o esgoto por onde escorre a merda lançada por algumas de nossas “melhores cabeças”…

(*) Dedico esse texto a alguns membros da mais alta corte de justiça do país, agora transformada em casa de variedades, onde os cidadãos são condenados antes de julgados. E também ao jornalismo de pensamento único. Se por acaso algum leitor não entender o que vai aí acima escrito, não se preocupe, ele não foi escrito para pessoas inteligentes, mas para idiotas como o próprio autor que finge acreditar na justiça de classe praticada no Brasil.


Izaías Almada é escritor, dramaturgo e roteirista cinematográfico, É autor, entre outros, dos livros “Teatro de Arena, uma estética de resistência”, da Boitempo Editorial e “Venezuela, povo e Forças Armadas”, Editora Caros Amigos.

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