terça-feira, 24 de julho de 2012

CATÁSTROFE HUMANITÁRIA


OMISSÃO, CEGUEIRA IDEOLÓGICA E DESUMANIDADE DESTROEM A SÍRIA

Na mesma linha do meu artigo O açougueiro de Damasco tem os dias
 contados (veraqui), o comentarista internacional Clóvis Rossi fulminou as 
potências insensatas que impediram uma solução menos sanguinária da crise 
síria, ao vetarem sistematicamente a aplicação de sanções rigorosas contra o 
 açougueiro de Damasco.

A percepção do veterano colega é idêntica à minha: a omissão dos (que deveriam
 agir como) civilizados não alterará em nada o desfecho inevitável, a derrubada de
 Bashar al-Assad, que agora é mera questão de tempo. Apenas maximizou o
 prejuízo, com a desintegração do país e uma verdadeira tragédia humanitária.

Desde o início tenho alertado que a velha racionália geopolítica dos tempos da 
guerra fria estava sendo exumada pelos Pepes Escobares da vida para 
justificar o injustificável: terríveis massacres perpetrados pelo terrível herdeiro 
de uma terrível tirania familiar. A qual, ademais, tem utilizado o terrorismo de 
estado para tentar perpetuar a dominação da maioria (sunita) por uma minoria 
(alauíta). 

Trata-se apenas de outro
 dos recorrentes 
conflitos religiosos e 
tribais do Oriente Médio, 
com os abutres 
capitalistas (qualificação 
que hoje se aplica 
também à Rússia e a 
China) jogando dos dois
 lados, como sempre fazem. 

A avaliação do Clóvis 
Rossi coincide, ainda, com a
 minha num ponto que 
sustento desde sempre: 
mais do que com os 
movimentos no tabuleiro político e econômico mundial, deveríamos nos preocupar 
é com as vidas dizimadas ou arruinadas ao longo desses conflitos.  

Se já me deixa perplexo que tal obviedade esteja ausente de muitas análises 
ditas de esquerda, pior ainda é quando tal insensibilidade desumana se aplica a 
uma crise como a síria, na qual nenhuma das forças envolvidas tem absolutamente
 nada de revolucionária. Estão em jogo apenas interesses e credos; é tão somente
 por causa da ganância e do fanatismo religioso que os civis sírios amargam 
horrores infernais.

Quem acredita ser de esquerda havendo feito apenas uma opção intelectual, mas 
sem ter nenhum sentimento real de solidariedade para com os indefesos e 
compaixão pelo sofrimento humano, verdadeiramente não é de esquerda --
pelo menos daquela que remonta a Marx e a Proudhon. Quanto muito, são os 
herdeiros de Stálin.

Segue-se o exemplar texto de Clóvis Rossi, A Síria e o fracasso do mundo, que 
reproduzo na íntegra e recomendo sem restrições.

A destruição da Síria é um caso emblemático de fracasso do mundo ou, ao menos, da governança global.

O Conselho de Segurança, coração do sistema ONU, ficou paralisado por uma disputa entre potências, com interesses que pouco ou nada têm a ver com o interesse primordial dos sírios, que era e continua sendo sobreviver.

Não sobreviveram 19.687 pessoas, das quais 1.522 crianças, entre o início da revolta contra a ditadura Bashar Assad, em março de 2011, e o último dia 15. Há entre 112 mil e 
250 mil refugiados nos países vizinhos, quantidade que aumenta 
exponencialmente a cada dia.

Há 200 mil pessoas, pelo menos, deslocadas de suas casas. Há 3 milhões de 
sírios que precisam de ajuda humanitária para sobreviver. Tudo isso em um 
país de apenas 21 milhões de habitantes.

Pior: não há o mais leve indício de que se esteja perto de algum alívio para a 

tragédia, até porque "os acontecimentos em Damasco e Nova York tornam claro
 que o desenlace da guerra civil síria será decidido no campo de batalha, em vez 
de no Conselho de Segurança", como escreve Richard Gowan, 
diretor-associado do Centro para a Cooperação Internacional da Universidade de 
Nova York.

O veto permanente da Rússia às propostas ocidentais de apertar mais ainda as
 sanções contra a ditadura Assad tiraram do Conselho de Segurança qualquer 
chance de influenciar na crise.

Está falido o modelo que dá direito 
de veto aos cinco países 
vencedores de uma guerra que 
terminou já faz quase 70 anos.

Aliás, chega a ser irônico que o 
suporte inoxidável da Rússia ao 
ditador acabe sendo inútil, como 
afirma Gowan: "A Rússia pode 
continuar a vetar as resoluções
 do Conselho de Segurança pelo 
tempo que quiser, mas, 
enquanto consegue levar ao 
impasse a batalha diplomática em 
Nova York, ela está perdendo a 
verdadeira guerra, na Síria".

Quem está ganhando, com a ascensão
 dos rebeldes, são Arábia Saudita e 
Qatar, que armam o chamado 
Exército Sírio Livre, e a Turquia, 
que lhes oferece um santuário. 
A Arábia Saudita é uma ditadura não 
muito diferente da que está ajudando a depor na Síria, embora de signo 
religioso diferente.

Ante a impotência da comunidade internacional, a única que seria capaz de 
exercer um poder moderador, o pós-Assad será tremendamente 
complexo, mais complexo quanto mais demorar.

Complexidade assim resumida pela revista "The Economist": "A Síria após Assad 
será um perigo para seu próprio povo e seus vizinhos. Um banho de sangue 
sectário é um risco, armas químicas sem controle são outro, ondas de 
refugiados um terceiro. A Síria poderia se tornar o foco de rivalidade entre Irã, T
urquia e o mundo árabe. A violência poderia sugar Israel ou espalhar-se pelo Líbano".

Enfim, há uma boa possibilidade de que ocorra tudo ou quase tudo que os 
opositores a uma intervenção externa na Síria esgrimiam como argumento para 
descartá-la.

O impasse entre as potências e a omissão de muitos (Brasil inclusive) 
acabaram produzindo um cenário assustador e não evitaram mais uma 
catástrofe humanitária

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