sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Libra não é só petróleo!


18/10/2013 - Copyleft

Libra não é só petróleo

Em todo mundo o discurso conservador subsiste em estado comatoso. 

O empenho é para injetar sobrevida ao defunto, resistir e desgastar o anseio

de mudança.


por: Saul Leblon


Em todo o mundo o discurso conservador subsiste em estado comatoso desde o colapso 
da ordem neoliberal, em 2008. O empenho  é para  injetar sobrevida ao defunto, resistir e 
desgastar o anseio de mudança. Até que se generalize o descrédito nos partidos, na luta 
pelo desenvolvimento e no aprofundamento da democracia política e econômica, como 
instrumento de emancipação histórica e social.

A ascensão da Frente Nacional Fascista na França é um sintoma (leia a reportagem de 
Eduardo Febbro; nesta pág). Outro, o poder de uma falange, como o Tea Party, de empurrar
 até perto do abismo fiscal a nação mais poderosa da terra. São manifestações mórbidas 
recorrentes. Que afrontam  o anseio da mudança instalado no coração da sociedade pela 
maior crise capitalista desde 1929.

Quando o extraordinário acontece, as lentes da rotina já não conseguem  explicar  a vida.  
A ‘redescoberta’ de Marx, analisada por Emir Sader nesta pág  (leia o blog do Emir), é um 
sintoma do anseio por um novo foco. É  mais que uma redescoberta intelectual. Essa é a 
hora em que o preconceito histórico  inoculado  contra o socialismo perde força. Até nos 
EUA.

Uma pesquisa feita pela Pew Research, no final de 2011, tentou medir esse ponto de 
mutação. Os resultados foram significativos:

a) na faixa etária entre 19 e 28 anos a menção ao ‘socialismo’  encontra receptividade 
favorável entre 49% dos jovens norte-americanos (entre 43% ela é negativa).

b) entre a população negra – açoitada pela crise - os dados são ainda mais expressivos: 
respectivamente 55% de aprovação ; 36%, rejeição.

c) a mesma medição, agora para  ‘capitalismo’, obteve os seguintes percentuais  
nos grupos mencionados: 46% e 47%, entre os jovens; e 41% favorável e  51%  
negativo, entre os negros.

A informação consta de um artigo de Michelle Goldberg, cuja íntegra será publicada  
nesta página. A liquefação da agenda neoliberal e do preconceito anti-socialista não 
amenizam  a responsabilidade  de se erguer linhas de passagem críveis ao passo seguinte
 da história. No caso brasileiro, a operação envolve agravantes  de singularidade e 
circunstância.

Em primeiro lugar, a responsabilidade de  ser governo. Portanto, mais que nunca,  de 
erguer pontes que partam da correlação de força existente para superá-las, sem risco de 
regressão.

Em segundo lugar, os sinais de desgaste na confortável pista incremental,  pela qual o p
aís  tem transitado  para responder  a  desafios seculares  com  avanços específicos .

Um terceiro agravante: o  crepúsculo  de um ciclo internacional de alta da liquidez e dos  
preços das commodities. A inflexão externa  adiciona percalços à renovação do motor do 
desenvolvimento brasileiro.

Quarto,  os capitais e os grandes oligopólios não estão parados. O colapso financeiro 
acelerou a descentralização produtiva que define a nova morfologia  da industrialização 
no mundo. Travada pelo câmbio desfavorável,  a manufatura brasileira ficou de fora do 
novo arranjo global das cadeias  de tecnologia e  suprimento.

O país não  resgatará sua competitividade  sem recuperar o terreno perdido nessa área. 
A flacidez industrial  rebaixa  a produtividade sistêmica da sua economia. Com efeitos 

regressivos na geração dos excedentes indispensáveis à convergência da riqueza . É nesse
 horizonte de mutações e desafios que deve ser analisado um  acontecimentos que divide 
o campo progressista brasileiro. O  leilão de Libra.

A mega-reserva do pré-sal, capaz de conter acumulações equivalentes a até 13 bilhões de 
barris de  petróleo e gás, deve ser leiloada na próxima 2ª feira (21). Democratas e 
nacionalistas sinceros divergem. Petroleiros vão à greve.

Defende-se que a Petrobrás assuma sozinha a tarefa de extrair uma riqueza guardada no 
fundo do oceano que pode conter até 100 bilhões de barris.

A Petrobras tem o domínio da tecnologia para fazê-lo. É quem foi mais longe nessa 
expertise em todo o mundo.

Mas não dispõe dos recursos financeiros para  acionar esse trunfo na escala e no tempo 
imperativo. Paradoxalmente, em boa parte, porque cumpriu seu papel de estatal na luta p
elo desenvolvimento. Os preços dos combustíveis no Brasil foram congelados pelo governo
 como instrumento  de controle da inflação. Durante anos. Sob protesto da república dos 
acionistas ,  cuja pátria é o dividendo. E nada mais.

Secundariamente, o leilão será feito porque o governo necessita também de recursos para 
mitigar a conta fiscal de 2013. Ademais do peso dos juros  no orçamento federal – 
exaustivamente criticado por Carta Maior - o Estado, de fato, realizou pesados dispêndios 
este ano e nos anteriores.

Em ações contracíclicas para impedir a internalização da crise mundial no Brasil. 
O conservadorismo reprova acidamente essas escolhas. Solertes entreguistas, súbito,
 pintam-se de verde-amarelo  em defesa da estatal criada por Vargas. A emissão 
conservadora alveja  o que chama de ‘ uso político da Petrobras  e da receita pública’ 
para financiar  ‘ações populistas’ , que não corrigem as questões estruturais  do país. 
A alternativa martelada  é  a ‘purga’ saneadora.

Contra a inflação, choque de juros (muito superior ao que se assiste). Contra o desequi-
líbrio
 fiscal, cortes impiedosos na ‘gastança’. Qual?  Qualquer gasto público destinado a 
fomentar o desenvolvimento, financiar a demanda,  reduzir a pobreza e combater a d
esigualdade. O ponto é: sem agir  a contrapelo dos interditos conservadores, desde 2008, 
o Brasil teria  hoje um governo progressista?
 Subsistiria  ao cerco de 2010 contra Lula e Dilma? Ou  da terra  ‘semeada’ pela recessão 
e o desemprego  emergiria a colheita devastadora? José Serra, que, ato contínuo, 
reverteria a regulação soberana do pré-sal, como, aliás,  prometera à Chevron. 
O governo fez a escolha oposta.  O resto é a história dos dias que correm.

Ao decidir pelo leilão de Libra está dobrando a aposta. Qual seja:  mais importante que 
adiar  Libra  para um futuro de hipotética autossuficiência exploratória,  é  aceitar a 
participação de terceiros, mas preservar e colher, antes, o essencial. O essencial são os  
impulsos industrializantes  embutidos na regulação soberana  das maiores reservas  
descobertas neste século em todo o planeta.

Um exemplo resume todos os demais. O Brasil  hospeda  a maior  concentração de 
plataformas submarinas do mundo. Uma em cada cinco unidades existentes está a serviço
 da Petrobrás.  Em dez anos, essa proporção vai dobrar.  Assim como dobra a produção 
prevista de petróleo em sete anos: dos atuais  2 milhões de barris/dia para 4,5 milhões
 b/d.

Entre uma ponta e outra repousa a chance de a industrialização brasileira engatar  um 
salto tecnológico e de escala, ancorado nas encomendas  e encadeamentos  do pré-sal. 
Emprego, produtividade, salários e direitos sociais estão em jogo nesse salto.  

A convergência sonhada entre a democracia política, a democracia social e a democracia 
econômica depende, em parte, do êxito desse aggiornamento industrializante da economia 
brasileira.

O leilão do dia 21 é um pedaço dessa aposta. Que tem a torcida adversa daqueles que não
 enxergam nenhuma outra urgência no horizonte do desenvolvimento brasileiro, em plena 
agonia da ordem neoliberal. Exceto recitar  mantras do  defunto. Na esperança de ganhar 
tempo para que o desalento faça o serviço sujo: desmoralizar  a política e interceptar o 
salto histórico do discernimento social brasileiro.

Uma  retração econômica redentora cuidaria do resto, injetando disciplina  nas contas 
fiscais e ordem no xadrez  político. Para, enfim, providenciar aquilo que as urnas sonegam:
  devolver  a hegemonia do país a quem sabe dar ao ‘progresso’  o sentido excludente e 
genuflexo que ele sempre teve por aqui.
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