sábado, 16 de junho de 2012

Bem-vinda senhora dignidade.


16/06/2012

Uma aliança com a dignidade

Uma grande frente da direita brasileira se move na ansiosa tentativa de preservar o comando da maior capital do país. O comboio transporta interesses pesados; não perder sua maior vitrine política é um deles; propiciar ao candidato da derrota conservadora em 2002 e 2010 um holofote de sobrevida até 2014, outro Há também o orçamento: R$ 40 bilhões, maior que o de vários Estados. Serra teria hoje 30% das intenções de votos na corrida pela prefeitura de São Paulo; seu principal oponente, Fernando Haddad, 3%. Lula adoeceu no meio do caminho e já se recuperou. Mas a convalescença pode reduzir a decisiva participação em uma disputa com DNA nacional.

O conservadorismo atrelava vagões ao comboio e exultava a cada tropeço do outro lado. A frustrada tentativa de cooptar Kassab parecia ter subtraído ao PT até mesmo o discurso da polaridade ideológica. Com Marta ressentida e afastada, Serra chocava a serpente ao abrigo de confrontos constrangedores. A incubação conservadora ia bem até que uma palavra que desequilibra o lado contra o qual ela se volta entrou no jogo: dignidade, ou Luiza Erundina. Essa mulher nordestina e socialista, que alguns criticaram pelo excesso de zelo com a causa popular, será a parceira de Haddad para devolver a São Paulo algo de inestimável valor: o resgate do voto como um engajamento que faz sentido outra vez na luta por uma cidade a serviço dos cidadãos.

Em 2010, seus 50 anos de integridade e dedicação à justiça social foram manchados por uma condenação no Supremo Tribunal Federal: malversação de fundos públicos. Pela sentença, de um processo que se arrastava há 20 anos, Erundina teria que devolver aos cofres municipais cerca de R$ 350 mil, quantia de que não dispunha, nem nunca teve, razão pela qual a Justiça determinou o leilão de seus únicos bens de valor: um apartamento de 80 m2 na zona sul de São Paulo, avaliado então em R$ 100 mi e dois carros populares - um Palio 97 e um Gol 2004 , bastante rodados. As razões que a levaram à condenação e a forma como ela a superou resumem a inquietação que o seu engajamento eleitoral causa agora nas fileiras da direita. 

Erundina não virou ré por desvio de dinheiro público; sua administração não foi acusada de fraude em licitações ou superfaturamento. Erundina quase perdeu o seu único patrimônio por não ter boicotado uma greve geral convocada pelos trabalhadores brasileiros em 1989. Em março daquele ano , a então prefeita de São Paulo determinou que fossem impressos cartazes explicando à população que os ônibus municipais não circulariam nos dias 14 e 15 em apoio à greve geral convocada pela CUT e a CGT, em protesto contra o "Plano Verão. 

A decisão de que ela deveria ressarcir os cofres da despesa com os cartazes era definitiva e não cabia mais recurso. A mais pobre ex-prefeita de São Paulo contou com a ajuda dos amigos para quitar suas dívidas com a Justiça. Um grupo deles organizou uma campanha nacional com jantares e doações populares que rapidamente registraram depósitos de R$ 2 a R$ 20 mil na conta aberta para essa finalidade. 

A resposta massiva assumiu contornos de indignação suprapartidária e ecumênica em solidariedade a ex-prefeita. Em pouco tempo foi atingido o montante necessário e saldada a sentença. Na verdade, os recursos ultrapassaram o valor estipulado em R$ 7 mil. Erundina decidiu doá-los a uma instituição de caridade escolhida com a ajuda dos amigos que coordenaram a campanha. Bem-vinda senhora dignidade.

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